domingo, 15 de janeiro de 2012

Entrevista com Nadja El Balady - por Smirna

Esta é uma entrevista feita pela bailarina Smirna, do Rio de Janeiro, para complementação de sua pesquisa para o trabalho de fechamento do CQID. Pesquisa primorosa, devo ressaltar.
Nesta entrevista falamos muito sobre arte, formação, referências e mergulhamos no âmago do que nos leva a dançar. Falamos também sobre o que é ou não folclore, sobre dança cênica X dança popular,sobre o estilo americano, sobre o estilo tribal, sobre transmissão de conhecimento, estar em cena, humildade e apropriação de conhecimento.
Realmente, muito produtivo!
Espero que seja assim para quem ler também.

TRANSCRIÇÃO ENTREVISTA NADJA

S - Nadja, por que a dança?

N - A Dança em geral?

S - Sim, a Dança pra você.

N - Porque... é como minha alma se expressa artisticamente, como ela se comunica, como ela se entende, medita e se religa, Acho que é uma questão de busca de auto-conhecimento e de evolução.

S - Formação Profissional.

N - Bom, eu comecei a dançar bem criança e daí fui passando por vários estilos, balé e jazz principalmente mas, depois, já na fase adulta, eu fiz dança do ventre, dança cigana, eu fiz um pouquinho de dança espanhola, eu fiz danças populares brasileiras muito, dança afro e, posteriormente entrei na graduação, na Licenciatura em Dança e aí voltei a entrar em contato com o balé e fiz, também, dança contemporânea que foi bastante importante para mim.

E, em termos de formação profissional em dança do ventre, propriamente dita, eu fiz meus três primeiros anos com a Shadia que foi minha primeira formação, quando eu fiz a prova para o Sindicato, depois eu estudei com a Soraia Zaied, num curso semanal aqui no Rio, daí foi que eu despertei mesmo para a profissionalização.  Fiz muitos workshops com a Lulu e segui, durante muito tempo, persegui o padrão Khan El Khalili até descobrir minha própria personalidade dentro dele, meu próprio estilo.

Acho que descobri mesmo meu estilo quando fui para o Egito, fazer os workshops no festival Ahlan Wa Sahlan e descobri essa questão da dança Baladi, do estilo Baladi, de tanto pesquisar o estilo Baladi foi que eu acho que encontrei a minha cara. Eu me especializei nisso e daí me encontrei à vontade artisticamente, então eu pude unir a minha formação anterior, um pouco da classe, da leveza, do estilo Khan El Khalili com a questão da dança popular egípcia.

S - Seu primeiro contato com a Dança foi ainda criança

N - Foi, eu comecei a fazer balezinho. Tipo, a minha irmã era mais velha e de uma turma mais avançada e a aula dela era antes e a minha depois, só que eu ficava esperando a aula dela terminar e eu ficava fazendo junto, aí eu peguei a questão do baby class avançado e aí a professora me pulou de nível... eu era muito interessada já, desde pequena.

S - Como a dança árabe entrou na sua vida, então?

N - Então... eu passei grande parte da minha adolescência distanciada da dança, com muitos problemas com relação à minha feminilidade, eu não fui uma adolescente feminina não, eu era até meio masculina tinha muita vergonha do meu corpo, tinha problemas de auto-estima, apesar de sempre ter sido uma pessoa extrovertida e tal, eu tinha muita vergonha do meu corpo, eu me achava muito feia... mas eu sempre tive uma sensualidade latente... então quando eu entrei para o teatro, eu tinha uma questão de que as turmas de teatro eram em Laranjeiras e eu estudava de manhã, todos os dias, de segunda à sexta, e eu tinha faculdade à noite e eu não podia voltar para Jacarepaguá, onde eu morava e eu tinha que “matar” esse tempo entre a manhã, o fim da aula de teatro e o início da aula da faculdade, aí eu comecei a procurar atividades que eu pudesse fazer no meio desse período e, aí, eu senti falta de dançar, e, eu podia voltar para uma aula de dança, mas que dança eu podia fazer? Eu não queria voltar para o balé, eu gostaria de fazer uma coisa que me despertasse, trabalhasse um pouco dessa questão da sensualidade... sentindo falta disso... aí eu vi, num jornalzinho esotérico, que tinha um lugar ali perto do meu curso de teatro, que tinha dança do ventre e dança cigana e fui experimentar todas as duas. Fiz aula experimental de uma num dia e de outra no outro e aí foi... e eu optei pela dança do ventre e fui embora.

S - Você é uma professora?

N - Eu me considero professora. Tenho o meu lado dançarina, claro, que eu amo dançar, estar no palco para mim é muito importante, mas é um prazer enorme... dar aula, para mim, é... sei lá... uma missão.

S - Então o por que lecionar você encararia como uma missão?

N - Eu acho que é uma coisa assim... de dentro para fora... eu acho que o por que lecionar, a resposta é o prazer de compartilhar o conhecimento e não é transmitir não, é compartilhar, é assim, você tem um conhecimento a mais para transmitir, mas você vai aprendendo muito ao longo do processo de compartilhamento.

S - É uma troca?

N - É uma troca, absolutamente, sem dúvida nenhuma é uma troca.

S - Então eu poderia dizer que a sua proposta seria o compartilhar em si e obter também, através dos alunos informações...

N - Sim, sim, porque os questionamentos são importantes, sabe... mais importante até do que as respostas, às vezes... O importante é estar disponível para entender que o seu conhecimento não é total, nunca você vai saber tudo, nunca, nunca... O universo vai se expandir sempre. O conhecimento, tudo o que a gente sabe é uma margem, essa margem pode se alargar e, ela se alarga através do questionamento e muitas vezes quem traz o questionamento é a sua aluna.

A aluna faz uma pergunta... Ah... Mas e aquilo??? E... puxa, nunca parei para pensar...

Então você vai questionando sempre e você vai reavaliando o sem próprio conhecimento e, aí, você tem a oportunidade também de, repensando, reafirmar.

S - Ou rever...

N - É!

S - Você pode rever padrões ou derrubar padrões...

N - Você pode derrubar... aquilo que eu pensava, não é... aquilo que eu pensava, eu repensei...

S - Tem que estar aberto para isso, inclusive mudar a postura consigo próprio...

N -  Isso mesmo, muitas coisas de que já falei eu voltei atrás e, olha, eu falei aquilo naquela época e não é não.

S - E, como fica a humildade nisso? É natural...

N - Eu acho que... gente... eu acho que tem que ter tranquilidade de entender que a gente erra, que não somos perfeitos... entendeu?  Acho que essa é a maior sabedoria, tem que ter humildade perante o conhecimento porque o conhecimento é maior do que o Ser. O Ser busca ela, entendeu?  Mas você não pode se confundir com o conhecimento. Você não é detentora do conhecimento, então eu acho que a humildade reside aí. Saber que você pode aprender das mais diversas formas possíveis.  Quando eu falo que a aluna pode te ensinar, não é que ela vai te dar aula, mas é que através do ponto de vista dela você pode enxergar de uma outra forma, então a humildade está em você ser capaz de olhar pelos olhos de diversas pessoas diferentes: de uma aluna, de uma companheira de trabalho que tenha, às vezes, menor estrada do que você mas, às vezes ela sacou alguma coisa vendo algum vídeo, assistindo uma aula ou mesmo através da própria capacidade de observação que você, talvez, não tivesse tido a oportunidade de olhar por aquele ângulo... eu acho que você só tem a ganhar com ela...

S - Ícones, inspirações...

N - Ah, então... dentro da dança do ventre são vários...

S - Quem se destaca...

N - Quem se destaca é a Soraia.

S - Soraia Zaied?

N - A Soraia... ao mesmo tempo em que ela é humilde perante o conhecimento, ela... porque a humildade é importante, mas você também tem que se apropriar, sabe, tem que ter uma questão da apropriação, então quando ela sobe no palco, ela não está preocupada nãoela sempre foi absolutamente dona da dança dela, então ela sempre teve uma expressão muito forte porque ela sempre esteve muito à vontade, ela sempre brincou muito com o que ela fez sem medo de errar. Então... essa falta de medo de errar também vem de uma certa humildade, se você for parar para pensar, entendeu? Ah, eu arrisco, se tiver errado aqui, tudo bem, da próxima vez eu não faço, entendeu? Ah, eu vou fazer, eu vou brincar porque, tudo bem... às vezes a gente leva tudo a sério demais... Então, ela faz o que ela quer, ela pensa e repensa a arte dela... obviamente ela tem uma seriedade muito grande, estuda muito, correu muito atrás, mas eu digo em termos artísticos, sabe? Porque uma coisa é você ser uma reprodutora de conhecimento, outra coisa é você ser artista, a Soraia é uma artista, conhecimento é uma ferramenta para ela, não é um fim, o fim é a expressão e eu acho que isso é muito importante.

S - Um momento difícil...

N - 2006, dentro da dança foi o momento mais difícil. Foi um momento de ruptura... e, de repente, eu me vi só perante um novo caminho, uma nova estrada desconhecida... eu precisei encontrar novas parcerias, eu precisei... acima de tudo, sobre tudo, confiar em mim mesma.

S - E o medo?

N - Eu tive muito medo de não conseguir, eu tive... foi um momento de questionamento profundo: será que eu quero mesmo isso? Mas será que eu sirvo mesmo para isso? Será que eu sou realmente boa? Será que eu não estou dando murro em ponta de faca? Será que eu... será que eu sou boa bailarina? Será que eu sou boa professora? Mas será que não existe outra profissão para mim? Mas será que eu não posso fazer outra coisa que doa menos? Porque eu estava sofrendo...

S - Naquele ponto, a partir daquele ponto, você começou a ter a certeza de que era aquilo mesmo?

N - É, porque eu pensei em abandonar. Eu pensei em abandonar várias vezes, mas aquela ali foi a última vez em que eu pensei em abandonar... foi onde eu pensei que eu realmente iria parar e eu não podia mais parar.

O que aconteceu... naquele ponto, eu já tinha toda uma estrada trilhada e eu descobri que eu não sabia fazer mais nada na vida, não me preparei para fazer mais nada na vida, eu não aprendi nenhuma outra profissão, eu só sabia dançar, essa era a única coisa que eu sabia fazer: sabia atuar e dançar, e dançar me abria muito mais portas que atuar.

S - E você não teve alternativa senão seguir em frente.

N - Eu não tive alternativa senão seguir em frente e, bem ou mal, as minhas alunas me olhavam com os olhinhos de “você vai parar, mas... e nós?” e eu já tinha alguma responsabilidade sobre aquilo e eu tentava pagar as minhas contas e o pouco dinheiro que eu ganhava era das poucas aulas que eu dava, então eu não pude parar. Talvez se eu tivesse dinheiro eu teria parado e... Hoje, eu seria infeliz e frustrada.  Mas eu precisei me superar, superei, encontrei novas parcerias, encontrei um novo caminho, encontrei a mim mesma, reencontrei a mim mesma dentro da dança, fiz todos esses questionamentos da dança, o que era a dança para mim, o que era ensinar para mim, o que era fazer sentido no final das contas e segui em frente, para mim foi muito bom.

S - Agora, mudando um pouco, o que você entende por folclore e folclore árabe?

N - Então, isso é uma questão muito importante... O que eu aprendi na faculdade é que folclore é uma atividade popular... Determinado aspecto da cultura popular que é ligado ao rito e à tradição daquele povo, daquela cultura... Isso foi o que eu aprendi que é folclore.

S - E a gente pode considerar que o povo árabe tem o seu folclore?

N - Tem folclore sim, porque é um povo que tem os seus rituais, as suas tradições.  Então, dentro do aspecto da dança existe a dança popular e existe a dança folclórica, são coisas diferentes. Eu acho que estou me estendendo um pouco porque eu acho que é importante colocar dessa forma bacana porque fica compreensível. Funk é dança popular, mas não é folclore, não está ligado a nenhum rito, a nenhuma tradição. Folia de reis é ligada a um rito, é ligada a uma tradição, é folclore, é dança e música popular. E é folclore. Ambas são populares, mas o funk não é folclórico, a folia de reis é, entende? Se, daqui... Conforme o passar das décadas e dos séculos, toda vez no dia tal existe o ritual do baile funk nã nã nã nã nã... pode ser que, um dia, se torne folclórico, mas, por enquanto, não é.

No universo da dança árabe acontece a mesma coisa: tem dança que é popular e tem dança que é folclórica...

S - Então a coisa se resume ao rito e a tradição...

N - Por exemplo, dança do candelabro, em termos da dança do candelabro que vai à frente... da Zaffa... isso é folclórico, entendeu? É uma tradição. Agora, já você colocar a dança do candelabro no palco com uma música qualquer... não é mais folclore... nem representação é... Representação passa a ser se você fizer uma teatralização de uma Zaffa, botar lá um casal de noivos no palco... isso aí é uma representação de uma dança folclórica... Agora, se você botar uma música new age e um candelabro você já não está fazendo nenhuma representação, você está fazendo uma perfomace.

S - Então, você já me respondeu uma parte dessa pergunta... Dança tradicional árabe e rotina oriental. Dança tradicional, latu sensu, então estaria ligada a ritos, à tradição popular, a uma coisa que passa de geração para geração...

N - Eu acho que sim...

S - Tradicional e folclórico andariam pari passu...

N - É... eu acho que sim, por exemplo, existe a música tradicional Baladi que vai diferenciar do Sha’aby, entendeu? Nem todo Sha’aby vai ser música tradicional Balady, porque tem desses pop’s, dessa coisa que é comercializada, essa música de momento que é pop, no sentido de... como fala... “descartável”... não vai virar tradição, não é? Mas, existe muita música tradicional Baladi, assim como o Tarab também... muitos que se enquadram nessas características de Tarab... muitas delas se tornaram músicas muito tradicionais.

S - O que difere do folclore porque não é um rito, é apenas uma execução musical...

N - Exatamente, exatamente...

S - E a rotina oriental... a dança tradicional... seria mais comercial?

N - Ah, porque é assim... O que é hoje a rotina oriental é diferente, assim... O Tarab, o gênero musical Tarab, ele em si apresenta uma rotina oriental, mas o que existe é uma música tradicional clássica que vem do ramo erudito da música árabe que é de onde vem a rotina oriental, agora, o que é a rotina, o que se tornou a rotina oriental hoje em dia é uma outra coisa.  Hoje em dia, o que a gente chama de rotina oriental é uma música composta única e exclusivamente para apresentação de dança.

S - Então seria para esse fim... para a bailarina dançar?

N - O que se tornou hoje em dia... da década de 1980 para cá, sabe... antes, a rotina oriental ainda era uma coisa que se escutava...

S - E não é o que se é feito hoje, feita para ser escutada hoje, ouvida, apreciada...

N - Não, ninguém... Nenhum árabe vai e compra um disco de rotina oriental para escutar em casa, entendeu? A rotina oriental é composta para o show de dança do ventre e, hoje em dia, eles estão compondo cada vez mais para o show de dança do ventre da bailarina ocidental, por isso que as músicas estão cada vez menores, mais compactas, porque é para a gente ver, é para o ocidental... Agora... Já aquelas músicas belíssimas, antigas, de dez, doze, quatorze minutos eram músicas que vinham ainda da tradição, rotina oriental antiga.

S - Algumas tinham até trechos mesmo de músicas tradicionais...

N - Exatamente... Aziza, Aziza é uma belíssima rotina oriental desse estilo antigo. Zeina, também... São músicas que você pode chamar desse termo... Tradicional Clássica, agora, o que vem sendo composto hoje em dia tem um outro pensamento, são músicas realmente para o show de dança do ventre, para comercialização e para a venda nesse sentido. É um cd para show de belly dance, não é mais tradição exatamente árabe, não é mais tradição árabe... talvez seja uma tradição de show assim...

S - De um show mais voltado para o público ocidental.  Mas, assim, Badeia Masabny com relação a isso, foi ela quem teria dado o pontapé inicial, digamos assim, a ocidentalização da dança? Porque, no cassino dela, ela visava atender também a um público ocidental...

N - É... Eu acho que você pode colocar dessa forma, pode-se entender que foi um pontapé inicial, mas ainda é muito distante do que se tornou hoje, sabe... Ela foi uma pioneira nesse sentido, até porque a dança do ventre, como a gente conhece, começou a ser idealizada ali, porque a dança do ventre, em si, não é uma dança popular.

S - Então poderia se dizer que a Badeia foi a pioneira, a “mãe”  da rotina oriental como conhecemos hoje?

N - Não... Não sei se da rotina oriental, mas da dança do ventre. Porque, antes era o Baladi, entendeu? Antes era uma música... Era o Baladi, era o Ghawazee, eram as danças populares, as diversas danças populares, pelo menos no Egito, em termos de Egito. O que era na Turquia, o que era no Líbano... Não sei, não sei... Meu conhecimento não se estende, ainda, até lá... Estou com muita vontade de pesquisar nesse sentido... Porque já existiam as danças dos haréns na Turquia e tal... Mas, no Egito eram as danças populares: O Baladi, o Ghawazee...
Quando surge essa necessidade dessa dança subir ao palco, e aí a Badeia Masabny, como a primeira bailarina no Cinema Egípcio... Algumas bailarinas já dançavam para os estrangeiros... Ela entende que é preciso ser mais do que só dança popular para você dar um tratamento de refinamento àquilo, ela quis refinar, então ela misturou mesmo com elementos de balé, ela transformou uma dança popular em uma dança cênica. A dança do ventre, ela já nasce como uma dança cênica, ela já é uma fusão, ela não é mais uma dança pura.

S - Então eu poderia dizer que o balé clássico e outras danças contribuíram para tornar uma dança popular numa dança cênica...

N - Numa dança cênica.

S - E é importante o estudo disso... Abrir um leque... Depende da proposta da bailarina...

N - É importante... Depende da proposta. Eu acho que é preciso ser claro quando você está ensinando à sua aluna, porque a sua aluna não tem ainda o discernimento, ela vai fazer dança do ventre... Ela não tem a menor idéia do que é dança popular e do que não é dança popular, ela tem aquele imaginário do deserto, da coisa misteriosa, aquela coisa hollywodiana na cabeça... Acho que cabe à professora pensar “o que é que eu quero fazer, o que é que eu estou ensinando.”

Então, eu Nadja, cheguei às minhas conclusões de que eu ensino uma forma de expressão artística, eu ensino uma dança de cena, eu ensino a dança de palco. Para ensinar essa dança de palco eu preciso ensinar dança popular, preciso principalmente dar a base e o entendimento da cultura que forma aquela dança popular, mas também preciso dar elementos da dança cênica.

Senão a minha aluna de nível intermediário não vai subir na meia-ponta. Como eu vou exigir que ela tenha equilíbrio e desenvoltura de quadril em meia-ponta se eu nunca ensinei para ela um pliè... Isso para mim é assim, porque eu aprendi aos “trancos e barrancos” e depois, quando eu voltei a fazer balé... Eu parei de fazer balé e jazz aos quatorze anos de idade, fui fazer dança do ventre aos dezenove e me profissionalizei com vinte e um... Então porque você não faz um pliè, por que você não trabalha os seus pés, entende?  Talvez eu tivesse sofrido muito menos para adquirir a tão exigida meia-ponta.

S - ... a gente acaba criando vícios de postura...

N - Claro... Eu estava com problemas de eixo, com problemas de equilíbrio... Eu precisei voltar para a faculdade, para voltar ao balé...

S - Bom... Você acabou falando em fusão, foi a primeira fusão da dança com Badeia Masabny, e o Estilo Tribal, poderia dizer que veio de lá também ou de lá partiu para os Estados Unidos, uma criação só americana...

N - Então, o estilo tribal está diretamente relacionado à história, à trajetória da dança do ventre nos Estados Unidos.

S - Às primeiras bailarinas que foram para lá exportadas...

N - É, assim: Eu até escrevi recentemente no meu blog um artigo pegando carona na minha colega Hanna Aysha, ela escreveu sobre o estilo turco e eu dei uma desenvolvida sobre os meus pensamentos a respeito do estilo turco. Eu tenho para mim que este foi o principal estilo que influenciou a formação da dança do ventre nos Estados Unidos.

A dança do ventre entrou nos Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX, então tem bastante tempo que a dança do ventre está nos Estados Unidos e ela está diretamente associada à história da imigração médio-oriental por lá.

Então, todo mundo se encontrou lá: turco, libanês, egípcio, iraquiano, palestino, judeu, todo mundo porta a porta, um do lado do outro, um vizinho do outro, entendeu?Assim, as bailarinas de lá... Americano tem dificuldade com geografia, então para ela todo mundo é a mesma coisa, eles têm dificuldade de entender que povo libanês é uma coisa, povo egípcio é outra, que turco é diferente do tunisiano, que é diferente do... indiano. Para eles é tudo uma coisa só... A dança do ventre nos Estados Unidos foi se densenvolvendo dentro disso, de um cabaré em que você tinha um músico turco, tocando junto de um músico sírio, na mesma banda de um músico egípcio...

S - E a bailarina se virando...

N - E a bailarina se virando.

Eu tenho para mim que o estilo turco foi o que mais influenciou o cabaré americano, elas deram esse nome ao estilo “Cabaré Americano”, “American Cabaret Belly Dance”... tem uma história, uma longa história das grandes bailarinas do estilo cabaré americano e o estilo tribal, para mim, ele nasce diretamente do desenrolar, do desenvolvimento artístico do cabaré americano. Essas fronteiras foram cada vez mais se desfazendo... elas foram unindo, cada vez mais, elementos estéticos até que surgisse o estilo tribal.

S - Que é um estilo catalogado, praticamente falando...

N - Na minha concepção, o estilo tribal nasce desse imaginário do ocidental a respeito do que é o oriente... Junta tudo... Cigano, egípcio, turco com indiano... Sai aquilo ali: uma calça harém, por cima uma saia cigana com bijuterias e cinturão cutie do Paquistão ali, meio Índia, Paquistão, Rajastão, enfim com acessórios cutie, um choli indiano, um turbante com uma flor espanhola... E snujs, muitos snujs!

S - E fica bonito...

N - Fica lindo, fica lindo! Impressionante como esses elementos combinam entre si e elas tiveram essa capacidade de dissolver essas fronteiras e criar a dança que é absolutamente única, que é de todos os lugares e que não é de nenhum ao mesmo tempo.

S - Interessante, muito interessante, muito interessante mesmo... e, agora, voltando um pouco em minha monografia, numa citação de Isadora Duncan:

“Se procurarmos a verdadeira fonte da dança e nos virarmos para a natureza, verificamos que a dança do futuro é a dança do passado, é a dança da eternidade que sempre foi e sempre será a mesma”

Então, seria uma união, não é?

N - É, eu estou até arrepiada... Isadora Duncan era uma visionária, muito além do tempo dela... Realmente Isadora Duncan é uma grande inspiração... Eu acho que eu dei como minha maior inspiração em termos de dança do ventre, mas eu acho que... Nossa, em termos de dança em geral, Isadora Duncan e outros visionários... Ela enfrentou muita coisa e ela... Isadora Duncan quebrou paradigmas.

S - Nadja, a maturidade e a dança oriental.

N - Eu não falei no início que, para mim, era uma questão de evolução e autoconhecimento? Estar no caminho da dança exige da gente muita, muita maturidade, exige que a gente se desenvolva enquanto ser-humano...

S - Não dá para levar como uma brincadeira, enquanto profissional...

N - Não, não dá... E a Vida é uma grande brincadeira ao mesmo tempo... Você precisa ter um quê de não ter medo e encarar, vamos lá, mas também você precisa ter muito respeito e responsabilidade com aquilo que você faz.  Então, ser uma mulher, se descobrir uma mulher na dança, sabe... É  se explorar e, ao mesmo tempo respeitar aquilo que você é.

S - E isso ultrapassa as barreiras da idade...

N - Ah, eu acho que sim...

S - A beleza estaria até acima da idade...

 N - Eu acho que sim... Para mim, no meu entendimento. Não sei como é que é... Não quero questionar, aqui o mercado... Em minha opinião, enquanto artista, enquanto expectadora, para mim não tem uma forma definida, nem uma idade definida, até porque todas nós temos a tríade dentro de nós.

Nós todas temos a jovem, nós todas temos a mulher, a mãe, e nós todas temos a velha. Nós todas, independente se você tem quinze, independente se você tem trinta, independente se você tem sessenta... As nossas facetas podem se exploradas todas, artisticamente.

Eu posso me permitir, enquanto artista, explorar aquilo que eu quiser, se eu estiver convencida do meu personagem, ali na hora, eu vou explorar ele, enfim...

Eu acredito nisso, eu acredito que é como algo teatral, estar em cena, seja com dança, seja com teatro, para mim se estabelecem as mesmas questões.

S - O personagem vira uma verdade...

N - É. É verdade e, ao mesmo tempo, não é. Você precisa estar profundamente presente naquilo que você está fazendo, você precisa estar inteira e verdadeira naquilo. A partir do momento em que você coloca o figurino, já é uma faceta de você, entendeu? Que você está explorando naquele momento. E aquela música que você vai dançar, aquele figurino que você está usando vão te remeter a uma história que você vai contar no palco.

Quando entra a introdução da música e você mergulha nela, é uma história que você está contando no palco, é uma face de você que você está explorando e entregando para as pessoas...

S - E é real...

N - É absolutamente real...

S - É como nossa vida que é como um teatro, um grande teatro da existência e, ao mesmo tempo, real...

N - É real... Eu paro para pensar assim... O ator, ele vai para o palco, ele está explorando aquele personagem, mas aquele personagem vem de dentro dele.

S - E é vivo...

 N - É vivo, é real, e vem de uma de suas facetas. Então, o que é quando eu interpreto um Tarab, ou quando eu danço uma música pop, o que é que eu estou explorando?  Quando eu faço um Baladi, gostoso, alegre, ou um Tarab... sentido...

S - E disso passa longe a canastrice?

N - Sim, não dá para ser canastrar... Não dá, não dá, o público percebe na hora, as pessoas se desinteressam... Porque não está numa expressão artística genuína. O que as pessoas querem ver, muito mais do que a técnica perfeita, do que uma linda meia-ponta, ou giros maravilhosos, ou um tremendo shimie, as pessoas querem sentir, as pessoas querem dançar jundo com você no palco, as pessoas querem se emocionar, as pessoas querem vivenciar essa história, acompahar a sua trajetória junto, sabe... Por isso que eu acho que a técnica é uma ferramenta, um meio, ela não é o fim.

S - Nadja, o futuro e um sonho. O futuro, se ele traz medo, se ele traz sonho...

N - Eu sonho, eu sonho em ter minha companhia de dança... Se bem que eu já tenho, tenho a Tribo Mozuna, eu tenho Caballeras, mas eu queria, também, uma companhia de dança do ventre e meu grande sonho é que eu pudesse ganhar dinheiro com isso.

Acho que é isso... Eu sonho muito em levar a nossa arte a um nível de profissionalização que ela ainda não alcançou.

S - Você foi muito honesta, eu nunca ouvi isso: “meu sonho é ganhar dinheiro com isso”, nos sustentar com isso, por que não?

N - Meu Deus do Céu... Eu, Smirna, eu vivo só disso. Se eu fosse parar para pensar... Se fosse há quinze anos atrás e me perguntasse se achava que iria ganhar, hoje em dia, o que eu ganho... Eu não ganho uma grande fortuna não, mas... Dá para eu sonhar, entendeu? Naquela época, eu mesma iria achar que talvez não.

Mas, se em quinze anos foi possível chegar até aqui, que será daqui os próximos quinze anos?  O nível de profissionalização, o reconhecimento do MEC... Um estágio novo, a gente deixar de ser uma sub-arte, uma sub-dança, uma dança encarada só como uma dança do acasalamento. 
“Eu sou professora, sou dançarina de dança do ventre” - como qualquer dançarina de dança conteporânea ou de balé clássico fala e as pessoas respeitam e assim, ter uma trajetória, ter um reconhecimento de mercado mesmo, MEC, para que eu possa aprovar os meus projetos, encaminhar projetos para captação de recursos, para que o dinheiro mesmo venha, para que as pessoas encarem isso, realmente, como uma forma de arte genuína em que é possível investir e ter retorno, sabe... um patamar acima.

Isso para mim é o futuro, independente do que seja, do que ela venha a se desenvolver artisticamente, seja como dança popular, seja como dança do ventre... O tribal... Talvez o tribal seja uma porta, mas eu queria isso... eu queria levar a dança do ventre, pelo menos, onde está a dança contemporânea hoje.

S - Você é um artista e sonha com esse reconhecimento no mercado. Uma artista, bailarina de dança oriental árabe.

N - Muito mais do que o meu reconhecimento no mercado. O reconhecimento da minha classe.

Eu penso nisso: sobreviver e viver.

S - Obrigada.

N - De nada.


domingo, 8 de janeiro de 2012

O estilo turco de Dança do Ventre e a história da DV ocidental

Tive hoje a oportunidade de ler o post da amiga Hanna Aisha sobre o estilo turco em seu blog: www.hannaaisha.blogspot.com
Fiquei bastante interessada, porque pouco se fala em Dança Turca aqui no Brasil, atualmente. Um ou outro workshop, perdido, muito pouca informação. Vale mencionar que aqui no Rio temos uma pesquisadora incomparável, a Yasmim Rajal, que ministra cursos de Dança dos Haréns, e com ela tive a oportunidade de preencher algumas lacunas no meu parco conhecimento a respeito do assunto.

Esta será uma postagem de considerações pessoais. Nada aqui é regra e está passível de discussão. Aliás, aquela que tiver informações relevantes a respeito, por favor, contribua!

Acho que o estilo Turco se conecta com a origem da Dança do Ventre no Brasil. Indiretamente, talvez.
Lembro que na época que comecei a dançar: as roupas, as músicas e a movimentação que utilizávamos nas apresentações eram todas muito influenciadas por este estilo, embora não fizéssemos a menor idéia disto. Não havia muita informação. Tudo o que tínhamos era fitas VHS e K7 antigas e mal gravadas. Só posteriormente chegou até nós a informação via workshops e internet.
Muito tempo depois é que pesquisando sobre a história da DV e sua trajetória pelo mundo é que pude entender que a dança turca influenciou muito o estilo cabaret americano e o estilo das pioneiras no Brasil. Só agora posso olhar para trás e identificar os traços étnicos daquilo que era transmitido de uma forma orgânica, quase ingênua.
A estrutura das apresentações que fazíamos era muito semelhante ao estilo Cabaré Americano: Uma entrada com véu, uma música lenta para trabalho de chão, um número de snuj e solo de derbake. Uma moderninha animada para colocar todo mundo pra dançar no fim. Utilizávamos muita música turca além de libanesa e pop egípcio. George Abdo era o Top hit de todos os shows. Ele fazia músicas belíssimas para performance.
 
Além dele, Hossam Ramzy era muito utilizado e através dos seus cds alguma luz de informação sobre compositores tradicionais egípcios. Mas isto não tinha tanta importância para a maioria das bailarinas. Só eu é que tinha o habito quase psicótico de saber os nomes das músicas, dos compositores e em que disco foram gravadas.
Em 2009 tive a oportunidade de conversar longamente com a bailarina americana Ansuya, na minha opinião, uma das melhores representantes do cabaré americano. Juro que foi só a partir daí é que comecei a valorizar o estilo americano. Não que seja o meu preferido, mas percebi que a dança do ventre lá tem uma história que passa por todo o século XX e que se liga à própria história da imigração médio oriental nos Estados Unidos. O estilo americano é na verdade uma grande salada de todas as culturas médio orientais e do norte da África que se encontraram por lá, porta com porta. E a capacidade de sistematização e comercialização americana, a transformaram em um produto artístico muito rentável. O aspecto cultural já está por aí considerado como tal. A dança que se faz nos Estados Unidos não é a dança do ventre de lugar nenhum. É a dos Estados Unidos. Queiramos ou não, nós bebemos muito nesta fonte. E o estilo turco foi um dos que mais contribuiu para a formação do "Cabare Style". Por quê? Pelo seu aspecto performático, que é melhor comercializável.

O estilo turco se difere consideravelmente do Egípcio. Este último foi penetrando no Brasil e modificando muito nossa maneira de dançar, isto lá pelos idos do ano 2000, já século XXI. O que acontece é que ele veio junto com a internet e o crescimento do mercado nos bombardeando de festivais, workshops e se alastrando como a grande verdade absoluta. Não que eu não concorde. Adoro o estilo egípcio. É sem dúvida o que mais estudei.
No estilo egípcio existe uma preocupação particular com o conhecimento a respeito da cultura e da musicalidade. Precisamos mergulhar na cultura para bem representa - la, o que nos enche de responsabilidade a cada apresentação. 

No estilo turco a influencia cultural se dá de uma forma diferenciada: A dança foi fortemente influenciada pela dança dos haréns, que é uma dança de sedução.
A dança turca é performática, inclui muito trabalho de chão e é bastante acrobática, se utilizando de aberturas de pernas, cambrês e posições inusitadas. 

No post da Hanna, me chamou a atenção a comparação que ela fez com o estilo libanês. Acho que elas se estudam e se permitem influenciar entre si. Prestei atenção particular ao vídeo que ela postou da Princess Banu. No estilo desta bailarina, podemos identificar influencia de uma outra bailarina contemporânea a ela, a Nadia Gamal, que era libanesa. Nadia Gamal foi muito famosa e influenciou a dança em todo o oriente médio.

Aliás, aconselho a leitura do post da Hanna Aisha e os vídeos que foram lá postados. Nesrim Topkapi é sem dúvida uma grande referência ao estilo. Duvido que alguém não identifique ali muita coisa do que se fez e se faz ainda no Brasil.
Pra terminar, posto um vídeo da Didem, dançarina que acho particularmente genial. Muito técnica, quadril muito veloz, dissociações belíssimas. Se prestarmos atenção, ela faz fusão com Hip Hop. É uma marca do seu estilo pessoal, coisa que aliás têm se tornado tendência no oriente médio. Algumas combinações de movimento lembram MUITO Sauhaila Salimpour e o Estilo Tribal. Por que será?