sábado, 5 de janeiro de 2013

Apostila de Folclore Árabe


Estudar as danças populares árabes é importante para quem deseja decifrar os mistérios da musicalidade árabe, fator fundamental para o desenvolver criativo da dança oriental.

As danças populares estão ligadas a ritmos e instrumentos musicais específicos que têm na tradição folclórica a sua origem.
Importante primeiramente é esclarecer que aqui o termo folclórico deve ser entendido como popular e tradicional. Folclore como manifestação popular de música e dança, viva, criativa, em constante renovação. Nunca folclore morto e esquecido, mas sempre valorizado e praticado por boa parte da população que reconhece sua origem.
Acho interessante pensar também que o Egito já possui uma larga tradição de espetáculos folclóricos e por isso compositores que compõe músicas estilizadas específicas para este fim. Uma coisa é pensar na dança popular como é manifestada espontaneamente pelo povo, como seria um clã ghawazy em suas apresentações de rua, ou as danças de colheita entre os fazendeiros. Outra coisa é pensar nestas mesmas danças transposta ao palco, com coreografias ensaiadas, figurinos harmoniosos e música adequada ao espetáculo. Estes mesmos gêneros de música popular são utilizados para a composição da Rotina Oriental Clássica Egípcia e também para elas sofrem modificações pelos compositores em função dos arranjos musicais.
Outra coisa importante é lembrar que ritmos não são de propriedade particular do gênero musical com o mesmo nome, podendo ser inseridos em diversos gêneros diferentes. Ex: O ritmo Said não é propriedade particular da cultura Said, nem das músicas Said. Vamos encontra-lo também na musicalidade baladi, sha’abi de diversos tipos, música alexandrina, entre outros...

Vamos ver aqui alguns os principais folclores e gêneros populares árabes ligados ao espetáculo de dança do ventre e que mais influenciam as músicas feitas para tal.
Estes são assuntos complexos e vastos, por se tratarem da cultura de povos diversos. Aqui estamos tentando resumir e ao mesmo tempo fazer entender sobre os assuntos abordados. Há muito o mais o que falar sobre cada tópico e cada um dele valeria uma monografia por si só. Muito pode ser complementado posteriormente.

Baladi

Baladi literalmente significa "minha terra", mas é uma palavra que traz diversos significados e conteúdo extenso. É um gênero musical, um jeito de dançar, uma maneira de falar e de se comportar. Aquilo que se refere à cultura própria de quem usa a expressão.
Sempre relacionado ao povo, principalmente à população suburbana do Cairo, com origem em regiões do interior e áreas rurais do Egito, que migraram para a área urbana no período de maior expansão da cidade.
Bint Baladi é o filho da terra que ainda vive de acordo com os costumes da sua região de origem. Esta mistura de culturas, levada ao Cairo, originou uma própria maneira ser “baladi” na cidade.
Na dança, Baladi é o nome que se dá ao estilo popular que mais se aproxima da dança do ventre como a conhecemos. É sinuoso, sensual, e quando falamos neste estilo, quase sempre nos remeteremos a um gênero específico de música, o taqsim de acordeom, também chamado de taqsim baladi. Ou ainda àquelas músicas bem tradicionais e antigas, que contém o acordeom como instrumentação principal, acompanhado de flautas e violinos. 


Baladi não é folclore no Egito, isto é importante ser compreendido. Assim como o Samba não é folclore para nós. Apesar disto, uma apresentação de baladi, com um taqsim de acordeon, ou uma música baladi tradicional, vai ser encaixada na categoria de folclore para efeito de festivais e concursos aqui no Brasil. Uma apresentação que tenha intenção de retratar este baladi, deve ter movimentação corporal que melhor se adeque à interpretação do estilo. Um vocabulário de movimentos específico, que bem represente a maneira tipicamente egípcia de se movimentar.
Para compreender o Baladi e suas diferenças em relação à “Raks Shark” (que conhecemos como Dança do Ventre), é preciso compreender o conceito entre dança popular e dança de palco.
Para simplificar, diremos que a dança de palco teria a obrigação de buscar um refinamento que se adequasse às exigências de um público, modificando desde a maneira como a artista se coloca em cena até a escolha do figurino, que deve inovar e ser apropriado para a cena sob a luz dos spots.
A dança popular será em família, com amigos, em ambiente descontraído, uma festa, um evento popular, sem por isso exigir refinamento técnico de quem a pratica, sendo desenvolvida de forma espontânea e natural. Podemos comparar ao nosso samba brasileiro, onde se difere o modo como sambamos em festas do samba que é levado para o palco por passistas e dançarinos profissionais.

Note – se que de forma alguma isto significa que a dança popular seja de fácil execução ou aprendizado, mais sim, que é natural para aquele que pertence àquela cultura.

Para interpretar o baladi, é muito importante tentar compreender a alma do Cairo, a movimentação corporal das mulheres, sua maneira de se comportar, sua sensualidade, seu cotidiano.
Pode ser legal compor um personagem para interpretar seu baladi: por exemplo, Ma'alimah é a mulher que comanda, a patroa, a dona do negócio, aquela que paga o salário, que é chamada de "senhor" pelos homens. Um tipo de personagem muito característico e bacana de ser explorado em apresentações de baladi. A Fifi Abdo tem uma personalidade bem ma'alimah, per bom se inspirar nela.
Foco na movimentação de quadril, agilidade na bacia, contração da musculatura do baixo ventre são a marca da movimentação do estilo: muitos oitos, ondulações, encaixes e tremidos. Não há ênfase na movimentação de braço, nem giros rebuscados, nem é necessário meia ponta. A movimentação de braço é modular, isto é: faz moldura para a movimentação de quadril, mudando naturalmente confirme você muda a posição. Como se fosse um aprendizado intuitivo, a bailarina baladi, ou Sha’aby, aprende a dançar por conta própria, como a passista de samba no Brasil.

Hoje em dia é comum ver apresentações de dançarinas internacionais dançando taqsim baladi de forma moderna, com idas ao chão, muitos braços e mãos, arabesques, giros, pernas e  cabelos. Chamam de New Baladi e usam figurinos bem modernos. Pessoalmente não acho a nomenclatura adequada, uma vez que um baladi reinventado fora do Egito, de baladi efetivamente não possui nada. Você pode gostar e fazer, mas tenha em mente que está fazendo qualquer coisa, menos baladi.



Para apresentações de baladi tradicional, o figurino indicado é a galabia, o vestido longo que é vestimenta comum do dia a dia no Egito. Você pode usar uma galabia branca e larga, como a da Fifi Abdo, pode usar de qualquer cor, pode ser justa, transparente, pode ser larga, pode ser brilhante, pode ser fechada, pode ser decotada com o bustiê aparecendo. Existem diversos modelos e todos eles são bem vindos para a caracterização do seu baladi.



Existem alguns elementos bem característicos da música baladi, como o uso de ritmos 4/4 ou 2/4 como Maqsoum e fallahi. O acordeom como instrumento melódico principal, além do uso de flautas doces, qanoun e violinos. O lamento – Mawal – muitas vezes está presente, onde o cantor improvisa enaltecendo a noite, a lua ou a mulher amada.




O Taqsim Baladi tem uma estrutura fixa, chamada de Progressão Baladi, que facilita o improviso do instrumento solista, que pode ser qualquer instrumento melódico: flautas, qanoun, violinos, porém na maioria das vezes será executada com acordeom. A primeira parte é lenta, onde a melodia desenvolve solo (Kbir). A cadência é dada pela entrada do derbake dialogando com a melodia em uma base rítmica 4/4, normalmente maqsoum ou ainda masmoud saghir (El Tet). Ritmo e melodia progridem, então, para um trecho mais acelerado em base rítmica 2/4, normalmente fallahi (Ingerara). Os trechos podem se repetir antes da finalização sempre com um arranjo conhecido, onde o solista puxa o fim da progressão de modo que percussionistas e dançarina entendem que a finalização está para acontecer.




Baladi é um gênero musical que é sempre aplicado nas Rotinas Orientais que tanto gostamos para apresentações de Dança do Ventre. Aliás, é a alma da Rotina. Ainda não vi nenhuma Rotina sem Baladi, que geralmente vem logo após a entrada. Pode ser em outra posição também, pode inclusive ter dois trechos baladis diferentes em uma rotina. Vai ser caracterizado pela presença do acordeom sobre um ritmo 4/4 como o maqsoum, masmoud saghir ou said. Muitas vezes você tem este acordeom dialogando com violinos orquestrados, criando espaço para diferentes movimentações por parte da dançarina.

Bailarinas egípcias, tradicionalmente dedicam grande parte de seus shows aos diversos tipos de baladi e Shaabi. Existe inclusive uma estrutura tradicional para estas apresentações: Pode começar com uma parte cantada, um taqsim de acordeom e finalizaria com solo de derbake. Uma rotina baladi.





Apresentações baladi podem ter uso de alguns acessórios como snujs, pandeiro, bastão, bengala e shisha. Ou ainda candelabro, na caracterização de uma Awalen.


Fifi Abdo - Progressão Balady e bengala


Sha'aby

Sha’aby para mim, é uma face do baladi. O significado da palavra literalmente é “popular” e pode ser relacionado com temas diversos, como comportamento, vestimenta, música, dança, hábitos. É, assim como o termo “baladi”, uma referência cultural. De forma literal, qualquer povo, e sua cultura,  pode ser considerado sha’abi, um a vez que o termo em si tem tal significado. Porém, como uma aplicação específica, os próprios egípcios relacionam o termo com uma população específica, residente no Cairo, urbana e de origem proletária.

 Em termos de música, normalmente estaremos nos referindo à música popular egípcia, cantada, radiofônica e relacionada ao povão. Como o pagode no Brasil, ou mesmo o Funk. Este estilo foi criado na década de 70, como uma resposta da classe operária à sociedade, valorizando sua própria forma de se expressar artisticamente.  Sha'abi pode ser tradicional, dançado com galabia assim como o Baladi. Um exemplo de Sha’aby tradicional seriam as músicas de Ahmed Adaweya. Bem próximo do balady feito nas décadas de 70 e 80. Praticamente não se distinguem. Como o samba de roda e o pagode, você pode até saber a diferença entre um e outro, mas não sabe dizer qual é...








Hoje em dia se dança muito a face mais moderna do Sha'abi, chamado de Street Sha'abi, ou Modern Sha'abi, ou New Sha'abi, ou ainda o termo egípcio Mahraganat Shaabi, que é justamente a música pop popular, povão, como o nosso pagode ou funk. São músicas que tocam em festas, boates, não têm exatamente passos "certos". Podemos encontrar alguma influência do Hip Hop estadunidense na movimentação das pessoas, de uma forma leve e descontraída. 











Para show, a bailarina pode usar um figurino bem moderno tipo calça jeans ou mini saia, ou mesmo roupas do dia a dia. Sha'abi pode ser muito divertido se interpretado. 

É preciso sempre estudar as letras para saber do que fala a música, pois muitas podem ter duplo sentido, ou então abordar tema de mau gosto para uma apresentação de dança.












Baladi X Sha'abi


"Nadja, esta música é Baladi ou Sha'abi?"

Muitas vezes minha resposta é: "Não sei"


Baladi cantado e sha'abi antigo se confundem de montão. Ambos os estilos são compostos, apreciados, tocados e dançados pela mesma população, embora o sha'abi moderno tenha ainda uma conotação mais comercial. Acho que uma boa comparação seria a diferença entre o samba de roda e o pagode. Você sabe que tem uma diferença, mas saberia explicar para um estrangeiro qual é? Faz sentido que o gringo não saiba diferenciar de ouvido os diversos tipos de samba, não é? Mas você sabe qual é a diferença entre o samba de roda, o pagode, o de gafieira, o samba enredo e por aí vai. A diferença é quase intuitiva. No caso de baladi e sha’abi,  ambos os estilos usam mesmos ritmos de base, principalmente maqsoum e fallahi, usam acordeom como instrumento melódico principal, têm uma maneira falada no cantar, falam dos mesmos temas. Tem até sha'abi que enaltece as qualidades da mulher baladi! Só mesmo um egípcio, ou um músico egípcio, pode efetivamente te assinalar efetivamente o que é baladi e o que é sha'abi.

Mas, não entrem em pânico!
A conclusão a que chego é que isto não tem tanta importância para você, dançarina. Uma vez, que a movimentação que você vai usar para interpretar a música é a mesma para baladi ou sha'abi tradicional. A diferença vai realmente existir quando você decidir interpretar uma música moderna. Isto vai fazer diferença na sua performance: Se a música é tradicional, ou moderna. O Street Sha'abi pede interpretação, figurino e movimentação modernas, uma maneira mais ousada de dançar, se vestir, se comportar.
Acho interessante mencionar que, no caso do Street Sha’abi, a maneira como os egípcios dançam estas músicas em suas festas, não será exatamente como a dançarina levará uma coreografia desta ao palco. Muitas vezes o que veremos é uma interpretação bem mais “belly dance” das músicas do que o que efetivamente é dançado pelos egípcios.  Nas coreografias vemos algumas referências de movimentação Sha’abi real, bem misturado com o trabalho de quadril da dança do ventre.









Said

Principal ritmo popular de todo o mundo árabe é não só folclórico como também usado em diversos outros estilos musicais.
É bem importante entender que Said é toda uma cultura e comportamento relativos ao Sul do Egito, ou Alto Egito, como muitos mencionam. Existem várias danças Said.
Dentro deste conceito, Ghawaze é uma destas vertentes do Said, por causa da família Maazin, que se estabeleceu nesta região há muito tempo.  O mais importante para nós é conhecer o Tahtib, o estilo Ghawaze e o que é associado à dança de palco com bastão, que é conhecido aqui simplesmente como Said em nossos concursos e apresentações de dança árabe.



 música do Sul do Egito


A dança Said realizada pelas mulheres em show de dança, lá no Egito, NÃO mistura movimentos de quadril de dança baladi ou ghawazy com os movimentos do Tahtib masculino.  Chamada “Raks Al Assaya”, “Dança da Assaya”, ou ainda " Dança do Bastão" (Asaya é um tipo de madeira com que se faz o bastão no mundo árabe) compreende a performance de palco, utilizando livremente os estilos, de acordo com  a musicalidade. Aqui no Brasil é bastante comum que as dançarinas preencham suas coreografias de solo e grupo com movimentos de Tahtib. Isto acontece porque os próprios coreógrafos trazem para nós esta linguagem, para efeito comercial dos workshops. É fruto também de muito "telefone sem fio" na maneira como as informações são transmitidas por aqui.
Se observarmos apresentações de dançarinas egípcias, vemos que encaixam um ou outro movimento de Tahtib, mas a movimentação permanece nos shimmies e quadris típicos das Ghawazee. Imaginamos sempre que a mulher característica da região Said, não dança profissionalmente, e que esta performance estaria ligada à um show de uma Ghawaze residente na região Said. Esta família se estabeleceu nesta região há muitos séculos e acabou por incorporar ao seu canto e dança, a musicalidade e corporeidade típicas da região Said. É comum que estas pessoas destes núcleo familiar façam apresentações públicas de música e dança. São contratados para festas e eventos e então tocam e dançam aquilo que os contratantes da região apreciam. E nisso, formam uma tradição, típica dos ciganos que se adequam à região onde se estabelecem. Incluem trechos de Said em suas performances e as suas dançarinas dançam com bastão, criando a dança do bastão feminina. Quanto mais ginga e vocabulário gestual Said, mais bacana fica a caracterização da apresentação.




Randa kamel

É bom ressaltar que a dança feminina com bastão, ou bengala, feita por grandes dançarinas profissionais no palco, pode não estar necessariamente associada à cultura Said. A "Raks Al Assaya" é uma liberdade artística e vai caracterizar aquilo que a dançarina bem quiser, pode ser baladi, ou uma música qualquer em que ela ache interessante incluir o acessório.
Segundo o egípcio Khaled Eman, as mulheres deveriam sempre usar a bengala, deixando o bastão para uso das danças masculinas. Vejo muitas mulheres usando bastão, apesar desta ser a opinião de alguns.

Tahtib é a “dança-luta” masculina egípcia que dá origem à dança com bastão. Os homens dançam Tahtib em todo o Egito e existem algumas poucas diferenças entre as danças do norte e do Sul. Os passos são bem saltados e eles executam muitos malabarismos com o bastão. Tudo originado na demonstração de habilidades para impressionar os oponentes. Os movimentos incluem intenções de choque do bastão em algo imaginário, que pode ser as pernas, ou o bastão do oponente. Também é comum baterem o bastão ao chão, junto com as batidas fortes da música.




Tahtib na praça


Tahtib no palco

Ghawazy ou Ghawazee


“Ghawazee” é plural da palavra “Ghazya” que significa originalmente “invasores”, posteriormente ganhando o significado “dançarinas” dentro do dialeto árabe egípcio, segundo inúmeras fontes. Segundo Mirian Peretz, no artigo “Dances of the “Roma” Gypsy Trail From Rajastan to Spain: The Egyptian Ghawazi Dance”, a origem da palavra designa grupamento de pessoas no Egito de origem das etnias Nawar, Halab e Bahlawan. Peretz dá destaque aos nawari que seriam um povo originário do Curdistão, tendo imigrado pelo oriente médio até o norte da África. Existem controvérsias entre os pesquisadores a respeito se seriam ou não considerados etnias ciganas. Como bem coloca o Dr. G.A. Williams em seu artigo “Dom of the Middle East: An Overview”, frequentemente se usa a palavra “cigano” para designar um estilo de vida comum de grupamentos étnicos que podem ou não ter uma origem comum comprovada. Dentro deste ponto de vista, estes clãs que imigraram para o Egito pertencentes a estas etnias seriam considerados ciganos por muitos de pesquisadores.

Os clãs de ciganos passaram séculos se deslocando e comercializando com outros povos nômades como Beduínos e Berberes. Desde a diáspora cigana, imagina-se que as tribos que desceram pelo Oriente Médio transitaram por alguns séculos até atingir o norte da África e por ali ainda se dividiram por diferentes regiões, como Egito, Argélia, Tunísia e Marrocos. Estes que imigraram para o Egito se estabeleceram em algumas regiões do território do país, principalmente na região delta do rio Nilo, no sul (região conhecida como alto Egito ou Said) e no próprio Cairo.

É de conhecimento público que para estes povos um meio de vida é também uma antiga tradição: A música e a dança. Se adaptando aos costumes locais onde vão, costumavam a se apresentar nas praças, em mercados, em casamentos e outras festividades familiares.

Tendo se tornado muito populares há alguns séculos, segundo o professor Khaled Eman, as vestimentas Ghawazee poderiam ser consideradas sinônimo de luxo pelo uso de jóias, moedas e metais em suas vestes, que segundo ele, seria a melhor maneira de carregar os próprios pertences.

Não se sabe bem se, as Ghawazee levaram consigo para o Egito sua corporeidade típica ou se ao chegar ao Egito ali já encontraram as movimentações sinuosas e somando estas à sua própria maneira de dançar, criaram algo novo. Encontramos no texto de Edwina Nearing a opinião de Mulouk, que esteve em contato direto com algumas famílias desta etnia: Segundo a autora, os Nawar etnicamente são ciganos, ainda falam a língua Nawari, e em sua opinião ”Se, através de sua jornada no Egito, um país de língua árabe, estes grupos preservaram algo de suas línguas nativas, eles devem também ter preservado algo de seu estilo nativo de dança.” (Mulouk apud Nearing)

O fato é que a dança das Ghawazee pode ser considerada o estilo originário da dança do ventre como a conhecemos pois, estas foram as primeiras bailarinas profissionais do povo egípcio. Suas apresentações em praça pública foram objeto das primeiras cartas dos soldados franceses a seus superiores durante a ocupação francesa em solo egípcio em 1798. Foram diversas vezes descritas como lascivas e obscenas para os olhos dos ocidentais cristãos. Segundo Claudia Cenci em seu livro “A dança da libertação” (2001), as descrições sobre o Egito feitas por estudantes e pesquisadores franceses “despertou um enorme interesse sobre o Oriente, dando início a era Orientalista que influenciou a produção artística ocidental dos séculos seguintes”.

No século XIX o rei Mohammed Ali expulsou muitas famílias Ghawazee e proibiu suas
apresentações no Cairo e em Alexandria. Mediante a proibição, os artistas sediados nestas cidades precisaram se mudar. Encontramos o seguinte trecho no livro “Folclore árabe – Cultura, arte e dança” de Melinda James e Luciana Midlej: “Alguns grupos foram para o alto Egito, para Aswan, Luxor, Qena, Edfu e Esna, e outros foram para um local no centro da região felahi chamado Soumboti.”


A maioria imigrou para o sul, para a região do alto Egito, ou Said. Assim como a família Maazin, há muito estabelecida no sul. "Banat Maazin" - As filhas de Maazin - São ainda muito conhecidas por suas apresentações de música e dança típicas da região Said. Este grupo ficou muito famoso e internacionalmente conhecido, tendo feito participações em filmes e grandes festivais de cultura. Nos dias de hoje, são as mais conhecidas e ainda é possível contato com Khairiyya Maazin, descrita por Melinda James como “a última Ghawazee”, que ainda dá aulas de dança para dançarinas pesquisadoras em sua casa em Luxor.

A região do delta do rio Nilo conhecida como Soumboti abrigou (e talvez ainda abrigue) um clã de famílias ciganas. Música, ritmo, dança soumboti, se conectam com a expressão Ghawazee e segundo Melinda James e Luciana Midlej seu estilo sofre grande influência beduína, da cultura felahi caipira, do Cairo e de Alexandria, sendo uma dança ousada, enérgica e sensual.

À primeira vista a dança das Ghawazee pode ser considerada como que “sem acabamento”, por se tratar de uma dança popular genuína. Podemos listar alguns movimentos típicos conhecidos pela dança do ventre com twist, as batidas laterais de quadril, contrações pélvicas, shimmies de ombro, o shimmie conhecido pelas americanas como shimmie de ¾ e básico egípcio.

Faz parte do estilo o uso predominante dos snujs durante as apresentações e no caso de uma
representação das Ghawazee do alto Egito, o uso de bastão ou bengala é opcional. Desde o século XIX encontramos diversos registros de vestimentas típicas: Grandes batas, saias longas, bolerinhos ou cholis, saias de babado na altura dos joelhos, calças bufantes. A Ghawazee moderna usa sempre galabia, que pode ser de asuit, bordada com pastilhas, paetês ou muitas franjas. A Ghawazee sempre usa muitos adornos como colares, brincos e pulseiras e sempre adornos na cabeça que pode ser uma tiara grande bordada, um lenço de moedas ou bordado com vidrilhos. O colar com as luas crescentes invertidas é uma marca dos adornos Ghawazee. 

Principais ritmos: Said, Maqsoum e Fallahi. Principais instrumentos melódicos: Flautas Nay e Mizmar e Rabeh.

Muitos Saids são tocados e compostos por artistas deste estilo, suas tradições são Said. Existem famílias que se situam também em regiões fallahin e às vezes pode ser difícil para nós que somos estrangeiras entender todas as nuances e diferenças de regionalismos.
As bailarinas ghawazy também dançam Said, podendo ou não incorporar passos do Tahtib.
Muitas músicas acabam incluindo ritmos Said e fallahi, deixando na virada deste último ritmo as improvisações musicais soltas, criando uma vibração bem aguda.
Pode ser dançado com pandeiro, snujs, bastão, bengala, candelabro ou sem acessório.
Figurino: galabia de qualquer cor, pastilhas ou lantejoulas bordadas, ou de Assuit (ou malas) moedas, e lenço bordado cobrindo os cabelos.

Imagens do filme Lacho Drom

Kharyya Maazin

Khaliji

RAKS NASHA'AT, a dança dos cabelos, ou Khaliji, como conhecemos no Brasil. É uma dança popular característica das regiões do Golfo Pérsico, Emirados Árabes Unidos, Kwait e trechos da Arábia Saudita. Khaleege na verdade é o nome da etnia árabe reinante na região. O povo Khaliji, a etnia que veio das tribos beduínas Khaliji.
 Khaliji pode ser dançado em festas de família ou em espetáculos ou ainda em comemorações tradicionais de comunidades beduínas. Dependendo da região os movimentos se diferenciam. Nas apresentações de folclore árabe no Brasil, costuma – se valorizar os movimentos de cabeça e o balanço dos cabelos. Existe uma pisada típica e um “suingue” muito específico do Khaliji, que talvez tenha se desvirtuado um pouco na movimentação feita por bailarinas brasileiras. Bailarinas profissionais do Brasil que viajam aos Emirados Árabes retornam com as informações sobre esta dança popular e em geral utilizam muitos giros de cabeça. O figurino típico de Khaliji é uma bata bem comprida, larga e com a manga bem grande. O uso desta bata em apresentações profissionais no mundo árabe caiu em desuso, porém é considerado de bom tom usar no Brasil, visto que a maioria das pessoas desconhece esta manifestação popular. Não é bom que o público pense que a bailarina está dançando dança do ventre quando realiza um Khaliji. É comum que as artistas interpretem a música que estão dançando e incluam gestuais de mãos em suas performances, mas não significam exatamente um passo de khaliji
.
Menina dançando Khalige descontraidamente sem bata


Performance coreográfica artística

Bailarina brasileira em show no Emirados Árabes


Meleya Laff - Eskandarany

Melaya = lenço; Laff = enrolado. A dança do lenço enrolado. Performance cênica, criada para espetáculo de dança, ligada ao contexto baladi que tenta retratar um tipo específico de mulher egípcia que utilizava em sua vestimenta um longo lenço preto para cobrir seu corpo, de acordo com a moda da época. Este folclore é ligado também a Alexandria, embora exista certa diferença entre o melea do Cairo e o de Alexandria. Reza a lenda que a origem desta dança nos palcos foi em uma apresentação criada por Mahmud Reda e Madame Farida Fahmi para determinado filme na década de 70. Passou a ser realizado por inúmeras bailarinas no Egito e copiado para o exterior. Segundo Gamal Seif, para interpretar a mulher de Alexandria usa-se vestidos mais curtos e para a do Cairo, galabias longas. A mulher de Alexandria seria mais despojada e a do Cairo mais recatada.
A performance do Meleya estaria ligada à estória da mulher alexandrina que vai ao mercado comprar peixes, mas na verdade está indo arrumar um marido. Passeia na ponta dos pés a beira mar.
Para este tipo de interpretação é legal usar música eskandarani, isto é, típica de Alexandria e da região costeira do norte do Egito. Já ouvi algumas músicas alexandrnas usar um instrumento chamado Semsemeya, típico de Port Said e da região do canal de Suez. A Semsemeya se usa para Mamboty, que também é chamada por aqui de dança dos pescadores. Eles usam muitas palmas de mão - Kaff - e também tocam colheres. Já vi performances de palco de casal, onde a mulher usa o Melaya e o homem dança mamboty. Alguns pulinhos de mamboty no seu meleya podem ir bem!

 













Técnica baladi de quadril, e interpretação de cena com o lenço preto e algum subtexto geralmente ditado pela música que pode contar alguma estória, ajudando a criar um personagem. Não é raro no Brasil número de Melaya com alguma cena cômica. Não é fora de contexto, por se tratar de baladi, mas também não é necessariamente obrigatório...
Principais ritmos: Said, Fallahi e Baladi. Instrumentos melódicos / harmônicos: Acordeom, violino, flauta e Semsemia. Músicas baladi típicas da região do Cairo ou alexandrinas. Existem também músicas compostas para performance de Meleya.
A gente encontra trechos de estilo eskandarani nas Rotinas Orientais. Sempre com base fallahi, violinos orquestrados velozes, às vezes flautas... aquele trecho da música que você escuta e fala: "isso é meleya!" é eskandarani.
Figurino: vestido ou galabia como vestido de festa. Não necessariamente cafona, mas muitas usam com cores vibrantes, de acordo com a moda da década de 80. Sandália de salto e o principal: o Melea que é o lenço preto. Pode ter arco de pom pom na cabeça e shador de crochê no rosto.

Meleya coreografado por Mahmoud Reda



Performance folclórica de Fifi Abdo

Dabke Libanês

O texto a seguir, foi retirado de propaganda de workshop de Dabke do professor Nasser Mohammed:
"Desde o tempo dos fenícios (cerca de 4.000 a.c.), a cobertura de telhados planos nas casas do oriente médio era feita de ramos cobertos com lama.
Na mudança de estação entre o outono e o inverno, a dilatação proporcionava rachaduras nessas coberturas, fazendo com que as chuvas de inverno trouxessem vazamentos.
Por isso, os proprietários das casas pediam ajuda aos vizinhos para recompor a mistura. Todos subiam ao telhado para recompactar a lama, fazendo com que penetrasse em todas as frestas, a fim de evitar os vazamentos.
Com o acompanhamento de um Derbake, e uma flauta Mijwiz, os homens se distraiam no ritual das batidas e assim podiam compactar os telhados de suas aldeias e das aldeias vizinhas, mesmo sob o frio e a chuva. Mais tarde, um rolo de pedra substituiu os homens que, no entanto, já acostumados, continuavam a bater os pés nas ruas da aldeia”.

O dabke não requer o movimento dos braços, marca-se o ritmo com as batidas dos pés e é realizada em grupo. Apesar de ser originalmente masculina, hoje em dia pode ser vista sendo dançada por toda a família.

Dabke popular é o Dabke de roda, realizado em festas, mas pode ser coreografado para apresentações em shows. Na roda do Dabke existe uma hierarquia de posicionamento, ficando a ponta da roda para os homens mais respeitados da comunidade, em seguida suas mulheres. A ponta de dentro da roda é a responsável por puxar o ritmo e a alegria da roda e também onde fazem os passos mais difíceis. O resto da roda segue simplesmente a batida com um passo básico sempre igual.
Nas apresentações de palco, retira-se o deslocamento em roda e são utilizados os mesmos passos da ponta interna da roda, sendo estes baseados no passo básico entremeados por saltos e batidas de pé de acordo com a contagem do Dabke.
Existem diversos tipos de dabke, com diferentes ritmos e diferentes contagens de passos e frases musicais. 
Muitos países dançam Dabke. Toda a região mediterrânea do Oriente Médio, Líbano, Síria, Palestina, Jordânia, até a Armênia, inclusive no Iraque. Professores especializados sabem diferenciar o dabke libanês, do sírio e do palestino, bem como de outros lugares. Também existem regionalismos dentro de um mesmo país que vão originar tipos diferentes de Dabke, sendo os mais conhecidos o Libanês de Baalbakie da cidade de baalbek (6 tempos) e o Bedáuye com os beduínos (12 tempos mas sendo contato com 10 tempos) muito usados em coreografias.

Existem diversos ritmos específicos da musicalidade libanesa que vão caracterizar o dabke daquele país. Entre eles, Katakufti, nawar, malfuf, jabalee.
Um dos instrumentos principais de percussão do Dabke é o Tabl, uma espécie de grande zabumba de corda, também utilizada no Egito para tocar Said.

Para cada ritmo, uma contagem. Normalmente, em dabke popular, as frases musicais têm ciclo de 8 em 8 tempos, porém o passo na roda é contado em 6, de modo que os passos encaixam e desencaixam da música constantemente. Pode parecer estranho no início, mas depois que a gente se acostuma, se torna divertido. Um dos tipos de Dabke é contado em 6, tanto as frases, quanto os passos, é bem ágil e mais fácil para compreensão de quem dança. Como mencionado anteriormente, também existem músicas cujos ciclos das frases musicais se repetem de 12 em 12 tempos, cujo passo na roda acompanha o tempo.


Dabke Dalaouna

Dabke Palestino

Haggala

Haggala é um tipo de dança beduína, das tribos beduínas que residem na região de Marsa Matruth, noroeste do Egito.

O texto a seguir foi retirado de trecho do livro escrito por Madame Farida Fahmy em seu trabalho de conclusão do curso para Mestrado em Artes e Dança da Universidade da Califórnia. Fonte: site http://jalilahs.multiply.com

“Em Haggalah há um aspecto competitivo onde diferentes grupos batem palmas chamando a solista, e aquele grupo mais forte ou carismático ganha a presença da solista perto dele. Essas palmas sofrem flutuações de dinâmica e velocidade, o que pode alterar a construção da dança.
Além de Marsa Matruh, essa forma de dança também é encontrada no oásis de Siwa e ao leste da Líbia.
Uma mulher ou uma dupla de mulheres, dançam movidas pelas palmas de grupos de homens, que competem entre si, para ganhar a atenção das mesmas.
Geralmente acontecem para celebrar casamentos ou as vésperas de um enlace. Também são apresentadas em festas para honrar visitantes ou selar um compromisso.
O passo típico desta dança é o "shimmy" conhecido pelo mesmo nome Haggalah, uma versão maior e mais relaxada do movimento em L (shimmy de ¾) dos quadris.
A música praticamente é toda improvisada, baseada na voz dos participantes e nas palmas que acompanham todo o tempo a performance. Mais tarde criaram-se versões especiais para que esta dança pudesse ser apresentada no palco”.
O figurino utilizado por Reda em suas coreografias de Haggalah é uma galabia bem colorida, com espécie de avental bem franzido, rodado, e colocado à altura do quadril. Este avental faz efeito de saia. No cabelo, lenço preto bem comprido cobrindo todo o cabelo até a altura dos quadris.
Ritmo básico: Malfuf

Haggala coreografado por Mahmoud Reda




Zar
De acordo com as pesquisas na Internet, o Zar consiste em um ritual religioso de exorcismo, que traria a cura para diversas doenças, dentre elas doenças mentais, vindas de possessão por maus espíritos. O ritual teria origem na Etiópia no século 18 e teria se espalhado pelo Sudão, Egito e Irã. Existem diversos tipos diferentes de ritual Zar, onde a incorporação se dá principalmente nas mulheres e existe todo um processo religioso, que muitas vezes nos recordará rituais da Umbanda e Candomblé brasileiros. Bem como no Candomblé, onde as pessoas podem aprender e desenvolver artisticamente as danças dos Orixás, pessoas que dançam Zar não precisam estar incorporadas.  Existe toda uma tradição musical relacionada ao Zar e é comum que músicos nativos sejam contratados para se apresentarem a plateias interessadas em sua cultura. Apesar de mulçumanos ou cristãos, integrantes das comunidades onde existe o ritual do Zar acreditam fortemente na influência dos espíritos bons e maus. No Egito este tipo de prática é encontrada ao sul, região conhecida como Alto Egito.



Este vídeo é o registro de uma performance de um grupo nativo e tradicional chamado Rango.



No vídeo abaixo encontraremos imagens de rituais legítimos, bem como performances feitas por uma dançarina egípcia e também por uma americana. É bem interessante notar as diferenças entre as três situações.


http://www.youtube.com/watch?v=2KJFlDtT70c



Para maiores detalhes, recomendo a leitura da página do Site Angel Fire, com o link a seguir:



http://www.angelfire.com/co2/dventre/zaar.html