Ouled Nail
Por Nadja El Balady
Este texto foi baseado nos artigos “The Ouled Nail” de Maggie Mcneil e “Dancing for Dowries part 2 – Earning Power,
Ethnology and happily ever after” de Andrea Deagon
No sul da Argélia, nas
montanhas do Atlas, desde tempos imemoriais até hoje em dia (ainda) encontramos
diversas tribos berberes vivendo e, de acordo com o possível, mantendo suas
tradições. Estas tribos, islamizadas entre os séculos VII e VIII, têm seus
nomes antecedidos pela palavra “ouled”,
que funciona como um tipo de designação: Ouled
Abdi; Ouled Daoud; Ouled Nail. A partir da década de 60, suas tradições se
tornaram objeto de estudo das dançarinas de dança oriental no ocidente, sobre
tudo das norte americanas, que passaram a usar elementos desta etnia como
inspiração para suas criações em dança.
Dentre as tribos citadas, Ouled Nail (leia-se wil-ed na-il)
ganharam maior atenção por conta das características memoráveis das suas
tradições femininas. Diversos pesquisadores ocidentais se interessaram pelo
tema e em comum encontraram a informação de que as mulheres desta tribo,
chamadas Nailiyat (singular Nailiya), costumavam se dedicar à dança
e às artes eróticas durante um determinado período de sua vida. Segundo Maggie
Macneil, as meninas nailiyat não eram
forçadas a exercer esta atividade, possuíam poder de escolha e ainda assim
muitas delas optavam por este caminho.
A partir dos 12 anos
as meninas eram ensinadas por mulheres mais velhas da família (que poderia ser
a mãe, uma avó, uma irmã mais velha, uma prima ou uma tia) e eram levadas para
as cidades abaixo das montanhas para viver durante uma parte do ano e a
trabalhar como dançarinas e prostitutas. Estas mulheres mais velhas eram
responsáveis pelo bem estar da menina, cuidavam da casa e ajudavam a administrar
os negócios. Esta era uma tradição que objetivava acumular dinheiro e joias de
modo que, ao retornar definitivamente para suas vilas de origem, esta menina,
já tornada mulher, pudesse ter independência financeira, pudesse comprar uma
casa própria, investir em um negócio e se quisesse, procurar casamento. Ao se
casarem, tomavam uma vida comum, em um casamento fiel, como se espera de toda
mulher casada.
Ninguém sabe dizer ao certo o
período de origem desta tradição, mas é provável que seja muita antiga, anterior
ao Islã, pois foram encontrados registros da presença das nailiyat na ocasião da chegada dos árabes na cidade de Bou Saâda no século VII. Bou Saâda (que significa “Lugar da
Alegria”) era um dos principais destinos das nailiyat para sua morada temporária e comunidades inteiras
compostas apenas por mulheres eram encontradas por lá.
Nestas comunidades,
segundo Andrea Deagon, os homens eram admitidos temporariamente como amigos,
aliados, admiradores, parceiros de negócios ou parceiros sexuais, mas nunca em
caráter definitivo. Algumas mulheres não chegavam a voltar para sua vila natal,
preferindo a vida na cidade, abriam negócios, ou se casavam com estrangeiros.
Segundo Marnia Lazreg (1994), as
mulheres das tribos Ouled Abdi e Ouled Daoud, conhecidas como Azriyat, também tomavam as profissões de
dançarinas e prostitutas, mas somente quando eram órfãs, se tornavam viúvas,
divorciadas, repudiadas, incapazes de se casar por algum motivo. Exerciam estas
atividades até que conseguissem casar ou permaneciam sós.
É possível que a tribo
Ouled Nail, tanto mulheres quanto
homens, cultivassem conceitos diferenciados a respeito de sexo, casamento e
amor. Encontramos no texto de Maggie Macneil uma passagem retirada do livro “Flute of Sand” (1956) de Lawrece Morgan
que nos dá uma pista a respeito. Trata-se de depoimento de um homem da tribo
sobre o casamento com uma mulher que tivesse seguido a tradição:
“Nossas esposas, sabendo o que é
o amor, e sendo proprietárias de sua própria riqueza, vão casar apenas com o
homem a quem amarem. E, diferentes das
esposas de outros homens, vão permanecer fiéis até a morte, graças a Allah.”
Alguns pesquisadores adotam a
linha de pensamento que as nailiyat
dançavam para acumular dote, que o dinheiro arrecadado servia para atrair bons
partidos. Esta ideia se tornou popular entre algumas dançarinas norte
americanas, ignorando sua prostituição e menosprezando sua independência
financeira. É possível que esta interpretação seja fruto direto do machismo
vigente no pensamento ocidental e tem origem na interpretação de observadores
franceses que desde a ocupação francesa na Argélia em 1830, que consideravam a
tradição das nailiyat como uma
espécie de rito de passagem antes do casamento. Andrea Deagon aponta para a
importância de não diminuir, ou omitir, a atividade de prostituição destas
mulheres, pois era um aspecto de uma cultura complexa onde as mulheres eram
sexualmente livres e independente financeiramente.
Segundo Maggie
Macneil, o contato com a cultura europeia, a partir da ocupação francesa, ao
mesmo tempo em que as fizeram famosas, se tornando objeto de pinturas de
artistas do período orientalista, trouxe a estas mulheres grandes
transformações. Ainda na virada do século XIX para o século XX, mercenários
franceses matavam as mulheres para roubar seu dinheiro e suas joias. Oficiais
franceses passaram a sobretaxar as viagens e a residência em outras cidades que
não suas vilas de origem. Durante a primeira guerra mundial, foram coagidas a
trabalhar em cafés e casas específicas onde eram exploradas por homens. Algumas
aderiram aos bordéis móveis de campanha, usados pelo exército francês até 1954
e pela legião estrangeira até a década de 90.
No final da segunda
guerra mundial, a vida de todo o povo berbere argelino mudou muito, pois o
governo autoritário da época os obrigou a trabalhar nos campos da agricultura
estatal.
Na década de 70, a dançarina
norte americana Aisha Ali encontrou um pequeno grupo de mulheres ainda vivendo
e dançando em Bou Saâda. Sua pesquisa
nos deixou registro muito importante do modo como se vestiam e movimentavam. A
estética de movimento e figuro influenciou diretamente Jamila Salimpour e seu
trabalho no grupo Bal Anat e como consequência, todo o Estilo Tribal de Dança
do Ventre.
Seu modo de dançar, apesar de
cobertas dos pés à cabeça, era considerado lascivo e escandaloso pelos
estrangeiros. Muitos movimentos de encaixe pélvico e redondos, shimmies de
ombro, lateralização de cabeça, movimentos de mão, cambrés, giros e o uso ocasional
de lenços em ambas as mãos.
Vídeos de referência para dança
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