DANÇA POPULAR X DANÇA CÊNICA X FOLCLORE
Compreender conceitos é fundamental para a compreensão e
análise crítica do que fazemos e do mundo que nos cerca.
Dentro deste aspecto, vamos tentar conceituar as expressões
“Dança Popular”, “Folclore” e “Dança Cênica” e tentar compreender como se aplicam
no universo da dança oriental que comumente chamamos “Dança do Ventre”.
Se aceita como significado geral para o termo “Folclore” tudo
aquilo que se relaciona à tradição e costumes de um povo, que seja transmitido
de geração em geração. Sejam lendas, hábitos alimentares, rituais religiosos,
ou artes em geral. Estudiosos da cultura erudita costumam caracterizar como
folclore tudo aquilo que não é erudito. Algumas fontes mais rigorosas
caracterizam como folclore aquilo que está ligado à tradição através de um
rito, que geralmente é de origem religiosa. Mesmo que este seja o ritual do
casamento.
Ex: Peguemos duas manifestações
populares brasileiras, a Folia de Reis e o Funk. Um pode ser considerado
folclore e outro, com certeza não. Por quê? Porque a Folia de Reis é uma
manifestação completa, antiga, mantida de geração a geração, tradicional e
ligada ao ciclo natalino do calendário católico. O Funk... nada disso. Mas se
com o passar dos anos, algum ritual passar a ser conectado ao Funk através dos
tempos, daqui a 100 anos, pode ser que assim seja considerado.
Dentro deste ponto de vista, a grande maioria das danças que
aprendemos como folclore árabe não são mesmo danças folclóricas, mas danças
populares.
A dança popular será em família, com
amigos, em ambiente descontraído, uma festa, um evento popular, sem por isso
exigir refinamento técnico de quem a pratica, sendo desenvolvida de forma
espontânea e natural.
Note – se que de forma alguma isto significa que a dança
popular seja de fácil execução ou aprendizado, mais sim, que é natural para
aquele que pertence àquela cultura.
Podemos comparar ao nosso samba brasileiro, onde se difere o modo
como sambamos em festas, do samba que é levado para o palco por passistas e
dançarinos profissionais.
É importante compreender também, que
algumas danças que foram levadas ao palco e são consideradas por nós como
“Folclore”, nem mesmo dança popular são, como é o caso do Meleya Laff. Não
existe, dentro da tradição popular egípcia”, uma dança com Meleya. Este é
apenas um acessório de vestimenta comumente usado pelas egípcias há várias
décadas atrás. A dança com Meleya foi criada por Mahmoud Reda e Farida Fahmy
para retratar um tipo de mulher egípcia, criar um personagem incluído em um
enredo e com ele uma cena que envolveria interpretação e dança. Meleya é “Dança
Cênica” que usa a dança popular baladi ou “Skandarani” como base técnica de sua
expressão.
A Dança do Ventre é uma Dança Cênica,
artística, de palco, que teve origem na tradição popular e na maneira popular
de inserção profissional desta dança na sociedade egípcia. Raks baladi é a
dança popular como o samba é a dança popular do Rio de Janeiro. A Dança do
Ventre como a dança artística, foi desenvolvida na virada do século XIX pra o
XX e imortalizada para o mundo através do cinema.
Nesta época a dança Baladi foi leveda ao palco, onde sofreu
alterações e fusões com outras danças como o Ballet, dando origem a Raks el
Shark.
É preciso pensar nas diferenças entre o conceito de dança
popular e de dança artística, pensada para o palco.
Para simplificar, diremos que a dança
de palco teria a obrigação de buscar um refinamento que se adequasse às
exigências de um público, modificando desde a maneira como a artista se coloca
em cena até a escolha do figurino, que deve inovar e ser apropriado para a cena
sob a luz dos spots.
Folclore e dança popular também sobem aos palcos. Sempre, no
show das grandes bailarinas e nas apresentações de inúmeras companhias
folclóricas. Porém com música, figurino e modo de agir que melhor retrate
aquele contexto popular. Apesar das interferências coreográficas, a ideia é que
predomine o sabor popular na apresentação. Ao pisar o palco com uma direção
artística, com posicionamentos trabalhados, figurinos elaborados, maquiagem e
etc, as dançam populares sofrem necessariamente uma “descaracterização” pelo
simples fato de ter sido retirada de seu ambiente natural. Um popular qualquer
manifestando sua cultura jamais será igual à dança no palco. Por isso é tão
importante buscar as raízes das danças que estudamos, para absorver seu
verdadeiro “sabor” e trazê-lo ao palco um pedacinho melhor de sua essência.
Todas estas danças cênicas, folclóricas,
ou não, acabam sofrendo influência do balé. Muito mais porque o balé foi a
primeira modalidade de dança a pensar em conceitos cênicos, do que da técnica
geral de balé em si. O Fundamento técnico geral em dança, que embasa todas as
danças cênicas, foi abordado primeiramente ali. Acabamentos e posicionamentos
de braços, pernas, postura. Eixo e técnica para girar, transferência de peso. O
público quer ver estas qualidades na dança que assiste, seja em qual modalidade
for. Quem assiste, quer a sensação de que está assistindo algo elaborado, que
não pode ser executado por qualquer um, que foi pensado e com cuidado e
agradável de ser visto. Eis o porquê de se estudar a base fundamental do balé
para melhorar a performance cênica.
Dentro da trajetória da dança cênica
“Dança do Ventre” pelo mundo, vamos encontrar diversidade de estilos que casam
com o histórico corporal e cultural de cada bailarina que a reproduz ao redor
do mundo que também se relaciona com aquilo que seu público local tem como
expectativa de apresentação, de acordo com o que é divulgado pelas mídias
locais. E assim a dança do ventre vai se afastando cada vez mais de sua origem
popular egípcia e cada vez mais se tornando uma linguagem cênica universal.
Show!
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