quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Formação em Dança

Reflexão feita a partir de recente debate no Facebook a respeito de cursos de formação em Dança Tribal.
Fui ao dicionário:
Formação
1 - Ato, efeito ou modo de forma, construir(algo); criação, construção, constituição.
2 - Maneira como uma pessoa é criada; Tudo que lhe molda o caráter, a personalidade;criação, origem, educação.
3 - Conjunto de conhecimentos e habilidades específicos a um campo de atividade prática ou intelectual.
4 - Conjunto dos cursos concluídos e graus obtidos por uma pessoa.
5 - Ato ou efeito de dar forma, modelagem.
etc...

A partir de então os significados ficam muito específicos em relação a biologia, geologia e até psicologia.

A princípio, o que nos interessa, é o significado da palavra em relação à educação, claramente em relação ao que forma uma dançarina e que de acordo com o dicionário, nos remete à definição 3: "Conjunto de conhecimentos e habilidades específicos a um campo de atividade prática ou intelectual." e 4:" Conjunto dos cursos concluídos e graus obtidos por uma pessoa."
Pois são as definições relacionadas à formação profissional.

Mas.. estamos falando da formação artística. E claramente um artista se utiliza muito mais do que conhecimento para alimentar a sua arte. Neste ponto, entra também a definição 2: "Maneira como uma pessoa é criada; Tudo que lhe molda o caráter, a personalidade;criação, origem, educação."

Claro que no caso da dançarina, criadora de suas próprias peças coreográficas, entrará em primeiro plano sua história corporal. Seu lugar de nascimento, sua genética. Aquilo que sua formação como pessoa lhe apresentou como cultura, o jeito de andar de seus semelhantes em comunidade, sua psiquê.  Tudo isto entra, em primeiro plano para determinar a maneira como uma artista vai se apropriar da ferramenta técnica e como vai devolvê-la ao mundo em forma de criação. Mas se não souber manejar determinado conjunto de conhecimentos, não terá sequer boa maneira de ser compreendida em sua expressão. A técnica, neste raciocínio, é a linguagem pela qual ela escolhe se expressar. Seu repertório de movimentos é seu vocabulário e a maneira como conecta um movimento ao outro é sua gramática. Seu fim: A expressão de suas ideias e / ou sentimentos sobre a vida, a realidade que a cerca e seu ponto de vista a respeito da própria dança. Quanto melhor se apropriar da técnica, melhor se expressará. Quanto melhor se informar, melhor clareza terá do que expressar.

Neste ponto, entram questões distintas do processo de formar... a formação técnica e preparação corporal e também o pensamento crítico a respeito do que se faz e porquê se faz.

No primeiro quesito, penso que antes de fazer Dança do Ventre, Tribal Fusion, Jazz, Balé, Contemporâneo, Fusão, Flamenco, Hip Hop, ou o que quer que seja, esta pessoa está fazendo DANÇA. E como tal, se faz necessário determinados fundamentos, comuns à todas as linhas estéticas de dança. Questões como controle do centro de força abdominal, eixo, equilíbrio, força e flexibilidade muscular, postura, expansão e ocupação do corpo no espaço...
Em segundo, vem a formação técnica na própria linha estética escolhida. No caso da dança do ventre, fusões e tribal, a técnica de quadril, trabalho de braços, ondulações e vocabulário específico.

No segundo quesito - aquilo que se faz em cena - encontramos o aspecto subjetivo e delicado. O que é bom ou ruim, julgamentos de valor... onde reside a arte e toda a sua magia e sua injustiça. Justo porque aquilo que forma a minha opinião é diferente do que forma a sua. Sua realidade é diferente da minha. Necessidades, desejos e conhecimentos também.
Pensar criticamente aquilo que se faz requer empenho... Conhecer os principais elementos históricos da   Dança, e da sua linha de dança. Conhecer o que fazem as pessoas que estão a sua volta, o que pensam as outras artistas da sua comunidade. Conhecer elementos culturais que levam as criações adiante.

Uma boa formadora não deveria se preocupar somente com a questão técnica. Em minha opinião, uma formadora deve se empenhar em apresentar textos, vídeos, histórias e exercícios que levem suas alunas à experiência do criar, do sentir, perceber e expressar.
A formação em dança é complexa e longa. Precisa de muitos anos de dedicação diária. Horas e horas por dia. Esta prática, obviamente, é mais importante do que qualquer diploma. Mas ter certificados e diplomas é importante no sentido de buscar orientação. Porque um bom artista deve ter um professor. Para orientar e corrigir. Ser auto didata é cruel. É preciso muito auto conhecimento e mesmo assim, nunca temos olhos para questões de erros que seriam facilmente corrigidos pelo olhar do outro. O outro nos ajuda a olhar dentro de nós mesmas. Todas as profissões têm professores regulares. Por que não a Dança Oriental?
Ainda assim, o professor, apesar de determinante, não tem papel exclusivo na sua formação. Seu principal material é você mesma. Seus desejos e possibilidades dentro da dança.
Fazer a faculdade de dança, pesquisar a história da dança e se perguntar por novos caminhos dentro da dança é muito bom. O contato com linhas estéticas diferentes abre os olhos, amplia os horizontes artísticos. Te dá uma formação embasada naquilo que vem sendo pensado e praticado há séculos em termos de dança. Uma formação formal, de imenso valor. Mas... Isto partindo do princípio que você já escolheu a sua linha estética de atuação. No nosso caso, a Dança Oriental.

Mas e no caso dos cursos sem reconhecimento pelo MEC? Como ver a formação de dançarinas?
As aulas regulares, quase todas sem reconhecimento de instituição alguma, são o principal contato da aspirante à arte. É através desta janela que ela vai perceber no seu cotidiano como a dança afeta sua vida, seu ser. Por isto, o local principal de sua formação. Workshops são essenciais para complementar esta formação, ampliando repertório, pontos de vista e informações. São importantes, sobre tudo para quem já é professora, para sua reciclagem e aprimoramento. Sem os workshops, a cena de dança oriental no Brasil estaria ainda muito aquém do que chegou. E do que pode chegar.
Mas o que seria um curso de formação, que não é aula regular e não é workshop?

Na verdade, vejo este tipo de prática como um grande apoio à formação principal. É onde o professor vai dispôr de um conteúdo programático que exponha sua metodologia de formação, seu ponto de vista  e seu material. Pode ser muito bom. Mas a verdade é que este tipo de curso nunca ocupará o lugar da aula regular. A verdadeira preparação corporal é diária. É preciso que a aluna tenha a bagagem da aula regular, sua formação principal. As questões essenciais do ato de dançar não podem ser plenamente desenvolvidas em poucas horas. Não existe milagre. É preciso que a aluna tenha a força de vontade de treinar por conta própria, se não, não vai alcançar o seu objetivo técnico na dança. Acho que o justo seria chamar de curso complementar à formação.

Acho que agora vem a parte do marketing e sobrevivência na dança... Honestamente... quem quer se inscrever em um Curso de Complementação à Formação em Dança Oriental? A pessoa quer saber que vai sair de lá formada! Quer comprar o pozinho de pirlimpimpim, a palavra mágica, quer achar que vai completar o curso dançando igual a professora.
Eu ministro um Curso Profissionalizante em Dança do Ventre. Claro que isto é o que eu quero que ele seja. Quero que um dia tenha reconhecimento oficial e diploma. Encaminhar minhas formadas ao ministério do trabalho. Mas por enquanto... não dá. Ainda não é possível. Mas não se trata de iludir minha alunas. Afinal, dou de mim o melhor e apresento o melhor do meu método em eterna transformação e expansão, onde eu, com meus parcos recursos, continuo a investir. E elas saem de lá melhor tecnicamente do que entraram, com confiança e processo artístico delineado. Prontas para encontrarem sozinhas seu próprio caminho de formação. Digo sempre no fim do curso: Agora é que começa!
Mas se eu não vende-lo como um curso profissionalizante, não vou ter o grupo de alunas com a base e o nível de interesse que preciso para que um dia este curso se torne formal. Afinal... não brota do nada! O próprio curso tem sua trajetória de amadurecimento perante o mercado.

Da mesma forma, no Tribal, a formação em ATS® do FCBD® não é reconhecida por nenhuma instituição de ensino. Mas se trata do método e da história artística de quem participou efetivamente da concepção do estilo. Uma formação não formal de imenso valor, considerando um mercado tão informal, tão subjetivo quanto o Tribal. Algo que dá a artista do estilo direcionamento e chão. Base para vôos mais altos como fusões e além... Cabe a mim, como formada, continuar a estudar e me desenvolver para fazer jus a minha formação de ATS®, assim como seria se fosse de Balé, Contemporânea, Flamenca, assim como é com a formação acadêmica. Sou eu quem faz o título, ou o título me faz? Através do conhecimento adquirido e meu próprio esforço direcionado, minha arte se faz.

É bom que alunas pensem nisto quando forem se inscrever num curso de formação: Não existe mágica! É bom que professoras pensem nisto ao vender seus cursos: É somente marketing.

Vamos, dançarinas... tolerância e respeito com a formação umas das outras. Não rasguemos os títulos de ninguém com palavras levianas. Não deixemos falsa impressão de superioridade auto didata. Cada uma com seu trabalho, mas todas precisamos umas das outras para o fortalecimento de individualidades de uma comunidade inteira!

9 comentários:

  1. Que texto. Vou salvar nos meus favoritos para a vida, e um dia eu hei de apresentá-lo às minhas futuras alunas...

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    1. Fico muito feliz, Lola, que seja útil.. Muito grata. Que bom!

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  2. Belo texto, lúcido, esclarecedor, e acima de tudo, considerando a realidade "nua e crua", sem fantasias, sem falsas esperanças, sem perspectivas deturpadas. Acho que voce resumiu com bom senso e embasamento toda a questão. Cabe a cada um decidir em quais ilusões investir e acreditar (ou não), e arcar com as consequencias advindas. A era da ingenuidade cada vez mais se aproxima de seu fim, mas existem as pessoas que se fingem de cegas por opção. Triste, mas verdadeiro.

    Parabéns pelo texto!!

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    1. É, querida... parece que a Dança Oriental como um todo oferece campo fértil às ilusões daquelas que se deixam cegar pela luz dos spots e brilho da purpurina... acho que todas nós já tivemos nossos dias. Mas felizmente o amor pela dança também transforma a nós mesmas e se a pessoa persiste, é porque tem dentro de si a força necessária para ir além da mediocridade...

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  3. Muito bom! Muito bom alguém se colocar nesse sentido. Acredito em acompanhamento profissional. Profissional acompanhada por suas professoras. Aprendizado sempre se renova, recicla, engrandece.
    Particularmente sou adepta do estudo e isto até o final de meus dias. Eu preciso das pessoas e não há nada demais nisso.
    Mais uma vez fico feliz pela Coragem de Nadja!!!

    Smirna

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  4. Sei não, eu sou meio ingênua talvez. Quando vejo por aí anúncio do tipo "Curso de Formação..." "Curso Profissionalizante" e eles duram sei lá alguns finais de semana, eu acredito que (olha aí a possível ingenuidade) todo mundo entende que não é pra levar "ao pé da letra" aquela informação. É como se fosse uma "catacrese", ou silepse (agora não sei que figura de linguagem/retórica seria o certo, me perdoem as/os linguistas). Você quer remeter a algo, mas para poder se comunicar melhor com um determinado "público" vc utiliza aquilo que os fará entender o conceito por trás. Bom eu entendo TODOS os cursos assim... Eu estou meio por fora da discussão, sei de longe o que houve, mas não sei o q está sendo debatido de fato, até gostaria de estar mais dentro do debate porque eu adoro colocar minhas ideias em cheque e conhecer mais um campo q eu nem conheço (que seria a profissionalização em dança, etc). Só resolvi dar minha pequena humilde opinião pois penso que ninguém é iludido se tiver um mínimo de lucidez e lógica. A palavra pode até passar uma impressão incorreta, assumo, mas talvez pra quem é MUITO inexperiente mesmo... Sei lá 2 meses de dança, e acha que em 6 encontros mensais ela estará formada em algo. O que no mundo é assim? Nada né. Nem biscuit!!!! rs
    Mas acho interessante a Nadja ter trazido pra discussão, sempre é importante dar a primeira palavra pq daí a discussão sempre toma direções inesperadas e lindas reflexões surgem, por vezes nem sobre o assunto em questão.

    Super Beijo!

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    1. Ih, Lívia! Muito ingênua mesmo! Você se assustaria com os telefonemas que eu recebo!!! A impressão que tenho é que muitas querem ser enganadas. Apresentar a fórmula mágica é quase sempre certeza de lucro certo. Mas de todas forma, você tem razão, a gente usa a nomenclatura que mais se aproxima dos objetivos ideais. Até agora tenho tido resultados satisfatórios, mas não aceito em meu curso alunas sem formação alguma em Dança do ventre. É preciso bagagem de aulas regulares, pelo menos 4 a 5 anos...
      Bom, eu compartilhei o post início do debate no meu perfil do Facebook, post da Natália Espinosa. Pode ir lá conferir e se inteirar da situação..

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    2. Obrigada Nadja pela resposta. Vou conferir. Beijão!!

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