sexta-feira, 22 de agosto de 2014

DANÇA POPULAR X DANÇA CÊNICA X FOLCLORE

DANÇA POPULAR X DANÇA CÊNICA X FOLCLORE

Compreender conceitos é fundamental para a compreensão e análise crítica do que fazemos e do mundo que nos cerca.
Dentro deste aspecto, vamos tentar conceituar as expressões “Dança Popular”, “Folclore” e “Dança Cênica” e tentar compreender como se aplicam no universo da dança oriental que comumente chamamos “Dança do Ventre”.

Se aceita como significado geral para o termo “Folclore” tudo aquilo que se relaciona à tradição e costumes de um povo, que seja transmitido de geração em geração. Sejam lendas, hábitos alimentares, rituais religiosos, ou artes em geral. Estudiosos da cultura erudita costumam caracterizar como folclore tudo aquilo que não é erudito. Algumas fontes mais rigorosas caracterizam como folclore aquilo que está ligado à tradição através de um rito, que geralmente é de origem religiosa. Mesmo que este seja o ritual do casamento.

Ex: Peguemos duas manifestações populares brasileiras, a Folia de Reis e o Funk. Um pode ser considerado folclore e outro, com certeza não. Por quê? Porque a Folia de Reis é uma manifestação completa, antiga, mantida de geração a geração, tradicional e ligada ao ciclo natalino do calendário católico. O Funk... nada disso. Mas se com o passar dos anos, algum ritual passar a ser conectado ao Funk através dos tempos, daqui a 100 anos, pode ser que assim seja considerado.

Dentro deste ponto de vista, a grande maioria das danças que aprendemos como folclore árabe não são mesmo danças folclóricas, mas danças populares.
A dança popular será em família, com amigos, em ambiente descontraído, uma festa, um evento popular, sem por isso exigir refinamento técnico de quem a pratica, sendo desenvolvida de forma espontânea e natural.

Note – se que de forma alguma isto significa que a dança popular seja de fácil execução ou aprendizado, mais sim, que é natural para aquele que pertence àquela cultura.
Podemos comparar ao nosso samba brasileiro, onde se difere o modo como sambamos em festas, do samba que é levado para o palco por passistas e dançarinos profissionais.

É importante compreender também, que algumas danças que foram levadas ao palco e são consideradas por nós como “Folclore”, nem mesmo dança popular são, como é o caso do Meleya Laff. Não existe, dentro da tradição popular egípcia”, uma dança com Meleya. Este é apenas um acessório de vestimenta comumente usado pelas egípcias há várias décadas atrás. A dança com Meleya foi criada por Mahmoud Reda e Farida Fahmy para retratar um tipo de mulher egípcia, criar um personagem incluído em um enredo e com ele uma cena que envolveria interpretação e dança. Meleya é “Dança Cênica” que usa a dança popular baladi ou “Skandarani” como base técnica de sua expressão.

A Dança do Ventre é uma Dança Cênica, artística, de palco, que teve origem na tradição popular e na maneira popular de inserção profissional desta dança na sociedade egípcia. Raks baladi é a dança popular como o samba é a dança popular do Rio de Janeiro. A Dança do Ventre como a dança artística, foi desenvolvida na virada do século XIX pra o XX e imortalizada para o mundo através do cinema.
Nesta época a dança Baladi foi leveda ao palco, onde sofreu alterações e fusões com outras danças como o Ballet, dando origem a Raks el Shark.
É preciso pensar nas diferenças entre o conceito de dança popular e de dança artística, pensada para o palco.

Para simplificar, diremos que a dança de palco teria a obrigação de buscar um refinamento que se adequasse às exigências de um público, modificando desde a maneira como a artista se coloca em cena até a escolha do figurino, que deve inovar e ser apropriado para a cena sob a luz dos spots.

Folclore e dança popular também sobem aos palcos. Sempre, no show das grandes bailarinas e nas apresentações de inúmeras companhias folclóricas. Porém com música, figurino e modo de agir que melhor retrate aquele contexto popular. Apesar das interferências coreográficas, a ideia é que predomine o sabor popular na apresentação. Ao pisar o palco com uma direção artística, com posicionamentos trabalhados, figurinos elaborados, maquiagem e etc, as dançam populares sofrem necessariamente uma “descaracterização” pelo simples fato de ter sido retirada de seu ambiente natural. Um popular qualquer manifestando sua cultura jamais será igual à dança no palco. Por isso é tão importante buscar as raízes das danças que estudamos, para absorver seu verdadeiro “sabor” e trazê-lo ao palco um pedacinho melhor de sua essência.

Todas estas danças cênicas, folclóricas, ou não, acabam sofrendo influência do balé. Muito mais porque o balé foi a primeira modalidade de dança a pensar em conceitos cênicos, do que da técnica geral de balé em si. O Fundamento técnico geral em dança, que embasa todas as danças cênicas, foi abordado primeiramente ali. Acabamentos e posicionamentos de braços, pernas, postura. Eixo e técnica para girar, transferência de peso. O público quer ver estas qualidades na dança que assiste, seja em qual modalidade for. Quem assiste, quer a sensação de que está assistindo algo elaborado, que não pode ser executado por qualquer um, que foi pensado e com cuidado e agradável de ser visto. Eis o porquê de se estudar a base fundamental do balé para melhorar a performance cênica.

Dentro da trajetória da dança cênica “Dança do Ventre” pelo mundo, vamos encontrar diversidade de estilos que casam com o histórico corporal e cultural de cada bailarina que a reproduz ao redor do mundo que também se relaciona com aquilo que seu público local tem como expectativa de apresentação, de acordo com o que é divulgado pelas mídias locais. E assim a dança do ventre vai se afastando cada vez mais de sua origem popular egípcia e cada vez mais se tornando uma linguagem cênica universal.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O que é que vale mais que dinheiro no mundo da DV?

Reconhecimento profissional. Aahhh.... ele!
O mais desejado, o mais buscado, o mais importante sonho dos nossos corações!
Ser querida! Ser respeitada! Ser apreciada!
Quase toda aquela que persiste no caminho da dança profissional, no fundo, move mundos e fundos pelo reconhecimento.
Crescer, se desenvolver, vencer, significa antes de mais nada, reconhecimento. Porque dele vem o dinheiro e o sustento da dançarina que ama o que faz e se dedica.
Mas não é de dinheiro somente que estamos falando, certo? Para isto, tantas dançarinas têm suas outras profissões, e mesmo aquelas, como eu, que não têm, não estão nesta exatamente por dinheiro, né?
Dinheiro é bom e todo mundo quer.
Mas aquilo que vale mais do que dinheiro, no mundo bellyco, é reconhecimento. Fotos no final do show, marcações com sorrisos e corações no facebook, ministrar workshop em outra cidade, ser convidada para o show de gala do festival...
Muitas vezes tudo isso cansa. Muitas vezes a gente faz de graça! Mas também é o que alimenta a nossa alma.
Poucas são aquelas que conseguem, no Brasil, de fato, receber para fazer tudo isto. E mesmo estas, pode ter certeza, de que já fizerem de graça muitas vezes. Porque é estratégico! Mas também porque é muito prazeroso...
Está ali, não tem como negar: É o ego!
Menina, não tem como fingir que não, todo mundo tem um! O exercício da humildade se faz importante, porque justamente sem ela, seria insuportável para as bellydancers conviverem umas com as outras.
E precisamos tanto umas das outras...
Até aí,  tudo lindo.
Mas e quando o reconhecimento não vem? E quando aquelas pessoas chamam todo mundo menos você?
A gente faz o nosso, agita a nossa panela, esperneia e acha que o resto não sabe de nada.
É ou não é?
Claro que cada produtor tem suas motivações e objetivos diferentes para realizar seus eventos, e muitos são lindos, válidos e muito sérios. Mas a verdade é que muita, muita gente por aí, tem como única motivação a auto promoção e a moeda de troca para ser chamada para outros eventos.
Eventos toscos, caça níquéis. Concursos mal elaborados, falta de condições, de preparo e etc.
Atrás do reconhecimento fazemos aula, conhecemos gente, fazemos social.
Atrás de reconhecimento, fazemos business e negociamos nossa própria felicidade como mercadoria.
O que fazer?
Exatamente tudo isso que a gente já faz! Não tem mesmo outro caminho, nem outra saída. A sobrevivência precisa de reconhecimento, um pouco de política nunca fez mal a ninguém.

O grande lance é tentar medir onde é que isto tudo te envenena e onde é que isto tudo te engrandece.

Às vezes o destaque para alguém que não merece, ou que você acha que merece mais que aquela pessoa estar na matéria da revista, a foto no site, o solo no festival....
Fazem parte do ser humano, o ciúme, a inveja e o despeito. Inútil posar de santa e dizer que nunca sentiu. Mentira. Mas também é do ser humano, a reflexão, a escolha, a superação.

É tão difícil, eu digo de minha parte, quando uma aluna a quem eu sei que ainda tenho muito a ensinar, vai fazer aula com outra pessoa. Sinto ciúmes, dependendo do caso. Mas preciso respeitar que ela tem seu direito de escolha e o direito de se sentir melhor em outro lugar. Às vezes é por causa da vida, facilidade de horários, ou  local..
Na maioria dos casos, a questão não é pessoal. Não apreciar sua dança, não significa que aquela pessoa te quer mal, ou não gosta de você. Ou até que aprecia sua dança sim, mas não é o momento de trocar com você, ou não que você não seja boa professora, mas naquela hora ela está se identificando mais com outra pessoa.
Somos inseguras, carentes, parciais. Estar bem, nos dias de hoje é um exercício diário.
É preciso olhar mais para aquelas que estão ao nosso lado, que nos fortalecem no nosso dia a dia. Que gostam de nós e estão no momento de trocar e de admirar sua arte. Encontre sua turma!

Estou falando com você, que é uma grande pessoa, profissional dedicada, bonita, criativa, estudiosa, com bons vídeos e fotos publicadas, mas que vê o tempo passar e ainda não viu o grande sonho do estrelato nacional / internacional acontecer.
Até porque ele é efêmero. É ilusório, é passageiro. Raras permanecem nele como uma diva de hollywood. A maioria um dia, tem que voltar para o Brasil. A maioria, um dia, acorda sem maquiagem no rosto e o que é que sobra, quando você  no espelho profundo da alma? O que cultivou com a dança? Quais flores foram plantadas para darem frutos?
A pessoa mais infeliz que conheço tem um grande reconhecimento internacional, mas se preocupa em invejar e prejudicar aqueles que não a veneram. Porque só olha para o que não tem, nunca para o que tem.

 Encontrar a sua turma, estar feliz nela, realizando suas coisas com o pé no chão.
Com o passar dos anos nada pode dar maior prazer e felicidade do que uma aluna iniciante em seu primeiro solo, ou aquela que cumpre seu curso com aproveitamento total, que você vê desabrochar.
Estar entre amigos, fazer o que se ama, sem se preocupar com o que os outros estão pensando.
Dançar para quem quer ver você dançar. Mesmo que a platéia esteja cheia daqueles que não querem. Estes não importam. E quem sabe, um dia, mudem de ideia.
Você nunca vai agradar a todo mundo, mas foque naqueles que te amam, e dão suporte para você realizar seus sonhos com generosidade e amor.
E procure ser feliz, sempre mais que o possível neste mundo egoísta, errado e torto.
Ainda assim, tudo está em seu lugar.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Identidade Artística

Existem muitos estilos de Dança do Ventre.
A função da arte é expressar. Pelo menos, no meu entender. Na caminhada de aprendizado artístico, é muito comum que a gente se depare com os diferentes estilos e questione cada um deles. É normal estranhar, ou até mesmo repudiar algum deles, dependendo da fase da vida em que a gente se encontre. Eu fiz isto, muitas vezes. "Narciso acha feio o que não é espelho", diz Caetano. Pura verdade. De acordo com o tempo, e a experiência que a gente vai adquirindo, podemos, ou devemos, mudar de ideia. Conhecer o diferente não é ruim, mas sim uma busca para ampliar nossos horizontes e tentar compreender outros pontos de vista. E se colocando no lugar do outro, nos enriquecer.
Deste modo a artista pode ganhar novas experiências, e com elas encontrar o jeito que a faz melhor se expressar, comunicar com o mundo. Esta seria a busca pela sua própria identidade artística.
Este é um tema bastante amplo. Podemos compreender a identidade artística como uma só. A bailarina que dança daquele jeitinho só dela, mas que faz só aquilo... veste somente aquele tipo de traje e dança somente aquele tipo de música. Embora este tipo de identidade seja útil ao marketing, e seja, via de regra, aplicado por muitas grandes artistas internacionais, a mim, parece limitado.
Porque o ser humano tem muitas faces dentro de si. Porque tem o bem e o mal, a luz e as trevas, a pureza e a malícia. Porque é moderno e é ancestral, porque é tradicional e contemporâneo. Por que não, explorar diversas facetas de teu próprio ser?
Trocando em miúdos...
Eu mesma, vivo na corda bamba entre o Tribal e o Ventre tradiciona. E mesmo dentre eles, nunca me defini como uma só. Apesar de ser única em meu Tribal com Fusão em Danças Brasileiras, eu também sou ATS®, mas também adoro Fusion, aquele clássico da Rachel, porque não? 
Dentro do Ventre tradicional, muitas pessoas pensaram por muito tempo que eu só fazia folclore. Ainda hoje, sou escalada praticamente apenas para as bancas de folclore nos concursos, por causa do marketing em cima do estilo Baladi. Em outra fase, fui chamada apenas para dançar Tarab. 
Não sei explicar o que acontece, uma pressão mercadológica para te empurrar para uma linha única de identidade artística. Uma vez que comecei a estudar tribal, muitas pessoas imaginaram que eu teria deixado de dançar ventre tradicional.
Mas eu pergunto por que? Porque devo ser somente aquilo que querem que eu seja?
Minha identidade artística é plural. Me permito experimentar outros universos, outras músicas, outros jeitos de dançar, e ainda me aprofundar na cultura, tentar compreender melhor a raíz, a matriz da dança popular que tudo gerou.
Fiz dança contemporânea por 3 anos. Dentre outras linhas, como balé, afro e danças populares brasileiras. Minha arte não pode estar imune a estas outras experiências.
Permaneço questionando a mim mesma, neste momento. Será este ponto de vista o meu erro? Será que por isto não vou mais à frente? Será que se tivesse escolhido apenas um caminho eu teria alcançado mais além? Boa ou ruim, esta foi minha escolha.Porque ser uma artista não é como ter um emprego onde me dizem o que fazer. A arte se move por inquietudes internas, que precisam de soluções que só podem ser buscadas dentro do meu coração. E meu coração precisa conhecer, aprender, experimentar, alcançar outras pessoas em outros lugares.

Performáticas, tradicionais, inovadoras, virtuoses, populares, expressivas...

Muitas identidades podemos explorar.
Você pode gostar do estilo brasileiro, do estilo americano, ou argentino. Pode apreciar as egípcias, ou ainda o estilo das bailarinas que dançam na Península Arábica. Existem as russas e ucranianas. O estilo libanês. O turco. O Tribal tem ATS®, ITS, tem Fusion cigano, com hip hop, com indiano, afro, tailandês, dark...
etc etc etc...

E conhecendo a matriz deles, a história da dança do ventre em cada um destes, você compreende a tua irmã artista, que tem uma outra história corporal diferente da tua. Você não é obrigada a gostar, mas a respeitar, a cima de tudo. 
Ainda não compreendo bem determinadas aspectos, como a diferença de leitura musical de um estilo para outro e este fato me leva sempre de volta ao Egito. A valorização dos arranjos musicais, da leitura melódica. Da expressão. Isto me fascina. Mas muita gente vai mesmo atrás do virtuosismo de um bom solo de derbake de impacto.

Não importa.
Importa você saber que existem outras verdades além da sua e permanecer estudando para melhor compreender. Vai que um destes estilos te enriquece e você o adota?
Acho importantíssimo para dançarinas de tribal conhecer música e cultura egípcia. Acho útil para dançarinas tradicionais conhecerem o que é o tribal e saber reconhecer músicas compostas para este fim.
Para não ficar usando música de tribal em coreografia folclórica. Aiaiaiaiai....

Confesso, nunca gostei do estilo argentino. Mas me esforço para compreender que sua escola é fundamentada em Jazz e que a dança veio para a Argentina através de artistas comprometidas com a arte da performance de palco, impactante e quase aculturada. Que existe ali um fundamento que move milhares de artistas no mundo inteiro que se identificam com aquilo e que de alguma forma isto é um significativo cultural importante.
A dança do ventre é cênica e popular. 
Sua magia cênica cria rapidamente identificação em nós, ocidentais, encantados pelo uso dos acessórios, pelo girar, pelo glamour... Um mercado que move milhões de dólares em todo o mundo, figurinos, composições musicais, dvds didáticos, cias de dança, workshops e festivais internacionais. Show Bizzness.
Só depois, a partir dali sim, nos movemos em busca de conhecer e entender a cultura originária de tudo isto.

Enfim, não deixe, querida irmã, de estudar, de assistir vídeos, de absorver conteúdo histórico, teórico, de ver as mais diferentes dançarinas com olhos puros. Só a tentativa de compreender, fundamentada no conhecimento é que pode gerar opiniões críticas genuínas e construir dentro de você sua identidade, que vai expressar para o mundo aquilo que há de mais caro: Você mesma. Com sua história corporal, com seus anseios artísticos. Você.