terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Identidade Artística

Existem muitos estilos de Dança do Ventre.
A função da arte é expressar. Pelo menos, no meu entender. Na caminhada de aprendizado artístico, é muito comum que a gente se depare com os diferentes estilos e questione cada um deles. É normal estranhar, ou até mesmo repudiar algum deles, dependendo da fase da vida em que a gente se encontre. Eu fiz isto, muitas vezes. "Narciso acha feio o que não é espelho", diz Caetano. Pura verdade. De acordo com o tempo, e a experiência que a gente vai adquirindo, podemos, ou devemos, mudar de ideia. Conhecer o diferente não é ruim, mas sim uma busca para ampliar nossos horizontes e tentar compreender outros pontos de vista. E se colocando no lugar do outro, nos enriquecer.
Deste modo a artista pode ganhar novas experiências, e com elas encontrar o jeito que a faz melhor se expressar, comunicar com o mundo. Esta seria a busca pela sua própria identidade artística.
Este é um tema bastante amplo. Podemos compreender a identidade artística como uma só. A bailarina que dança daquele jeitinho só dela, mas que faz só aquilo... veste somente aquele tipo de traje e dança somente aquele tipo de música. Embora este tipo de identidade seja útil ao marketing, e seja, via de regra, aplicado por muitas grandes artistas internacionais, a mim, parece limitado.
Porque o ser humano tem muitas faces dentro de si. Porque tem o bem e o mal, a luz e as trevas, a pureza e a malícia. Porque é moderno e é ancestral, porque é tradicional e contemporâneo. Por que não, explorar diversas facetas de teu próprio ser?
Trocando em miúdos...
Eu mesma, vivo na corda bamba entre o Tribal e o Ventre tradiciona. E mesmo dentre eles, nunca me defini como uma só. Apesar de ser única em meu Tribal com Fusão em Danças Brasileiras, eu também sou ATS®, mas também adoro Fusion, aquele clássico da Rachel, porque não? 
Dentro do Ventre tradicional, muitas pessoas pensaram por muito tempo que eu só fazia folclore. Ainda hoje, sou escalada praticamente apenas para as bancas de folclore nos concursos, por causa do marketing em cima do estilo Baladi. Em outra fase, fui chamada apenas para dançar Tarab. 
Não sei explicar o que acontece, uma pressão mercadológica para te empurrar para uma linha única de identidade artística. Uma vez que comecei a estudar tribal, muitas pessoas imaginaram que eu teria deixado de dançar ventre tradicional.
Mas eu pergunto por que? Porque devo ser somente aquilo que querem que eu seja?
Minha identidade artística é plural. Me permito experimentar outros universos, outras músicas, outros jeitos de dançar, e ainda me aprofundar na cultura, tentar compreender melhor a raíz, a matriz da dança popular que tudo gerou.
Fiz dança contemporânea por 3 anos. Dentre outras linhas, como balé, afro e danças populares brasileiras. Minha arte não pode estar imune a estas outras experiências.
Permaneço questionando a mim mesma, neste momento. Será este ponto de vista o meu erro? Será que por isto não vou mais à frente? Será que se tivesse escolhido apenas um caminho eu teria alcançado mais além? Boa ou ruim, esta foi minha escolha.Porque ser uma artista não é como ter um emprego onde me dizem o que fazer. A arte se move por inquietudes internas, que precisam de soluções que só podem ser buscadas dentro do meu coração. E meu coração precisa conhecer, aprender, experimentar, alcançar outras pessoas em outros lugares.

Performáticas, tradicionais, inovadoras, virtuoses, populares, expressivas...

Muitas identidades podemos explorar.
Você pode gostar do estilo brasileiro, do estilo americano, ou argentino. Pode apreciar as egípcias, ou ainda o estilo das bailarinas que dançam na Península Arábica. Existem as russas e ucranianas. O estilo libanês. O turco. O Tribal tem ATS®, ITS, tem Fusion cigano, com hip hop, com indiano, afro, tailandês, dark...
etc etc etc...

E conhecendo a matriz deles, a história da dança do ventre em cada um destes, você compreende a tua irmã artista, que tem uma outra história corporal diferente da tua. Você não é obrigada a gostar, mas a respeitar, a cima de tudo. 
Ainda não compreendo bem determinadas aspectos, como a diferença de leitura musical de um estilo para outro e este fato me leva sempre de volta ao Egito. A valorização dos arranjos musicais, da leitura melódica. Da expressão. Isto me fascina. Mas muita gente vai mesmo atrás do virtuosismo de um bom solo de derbake de impacto.

Não importa.
Importa você saber que existem outras verdades além da sua e permanecer estudando para melhor compreender. Vai que um destes estilos te enriquece e você o adota?
Acho importantíssimo para dançarinas de tribal conhecer música e cultura egípcia. Acho útil para dançarinas tradicionais conhecerem o que é o tribal e saber reconhecer músicas compostas para este fim.
Para não ficar usando música de tribal em coreografia folclórica. Aiaiaiaiai....

Confesso, nunca gostei do estilo argentino. Mas me esforço para compreender que sua escola é fundamentada em Jazz e que a dança veio para a Argentina através de artistas comprometidas com a arte da performance de palco, impactante e quase aculturada. Que existe ali um fundamento que move milhares de artistas no mundo inteiro que se identificam com aquilo e que de alguma forma isto é um significativo cultural importante.
A dança do ventre é cênica e popular. 
Sua magia cênica cria rapidamente identificação em nós, ocidentais, encantados pelo uso dos acessórios, pelo girar, pelo glamour... Um mercado que move milhões de dólares em todo o mundo, figurinos, composições musicais, dvds didáticos, cias de dança, workshops e festivais internacionais. Show Bizzness.
Só depois, a partir dali sim, nos movemos em busca de conhecer e entender a cultura originária de tudo isto.

Enfim, não deixe, querida irmã, de estudar, de assistir vídeos, de absorver conteúdo histórico, teórico, de ver as mais diferentes dançarinas com olhos puros. Só a tentativa de compreender, fundamentada no conhecimento é que pode gerar opiniões críticas genuínas e construir dentro de você sua identidade, que vai expressar para o mundo aquilo que há de mais caro: Você mesma. Com sua história corporal, com seus anseios artísticos. Você.


6 comentários:

  1. Bom ler isto Nadja! Talvez declarações como esta sejam a melhor bandeira de "União" que alguém possa declarar!
    Entender que existem diferenças de estilo, conviver com eles, respeitá-los mas sempre seguindo o coração, fazendo o que o dono de sua arte te pede sendo feliz, pois não é o que os outros querem.
    Outra coisa que eu acho é que não só é legal olharmos para o núcleo oriental ou étnico, mas ir além! Todas as danças que tivermos oportunidades devem ser olhadas, vivenciadas ao menos uma vez, pois o conhecimento geral nos proporciona várias boas sensações, umas delas é a propriedade do que fazemos, outra sensação é a de usar determinada propriedade daquele estilo dentro do que nos falta no nosso estilo. Comigo esta sensação é sempre boa! Quando eu fazia ballet e conheci o street dance, fiquei com um tônus muscular diferente, com uma atitude mais ágil e percurtida na minha dança, era uma coisa que me faltava e me fez muito bem! Aliás, isto deve ser feito com tudo, teatro, artes plásticas, matemática, música... Tudo deve ser olhado, apreendido, deve ser refletido e aproveitado para o que a gente faz, porque a dança está presente em tudo, ela é rítmica e tudo tem ritmo, ela é plural e subjetiva, e a gente só encontra isso vivendo bem a vida, olhando pros lados, pra cima, pra baixo e para as diagonais! Devemos ir até os limites da cnesfera da vida!
    Pra mim é maravilhoso isso, e uma das coisas que me faz amar a dança!
    Mas é claro, existem as pessoas que seguem uma estrada singular, são aquelas que fazem as técnicas, os métodos! Tudo bem, tudo ótimo, por causa dessas pessoas que nós, pessoas plurais, bebemos nas diversas fontes. É só uma questão de saber respeitar! E viva a dança!!! Viva a diferença! Viva a cultura popular e a erudita! Viva você, viva eu, viva eles! Viva o lilili, o aplauso e o "Bravo!"! Viva o merda e o boa sorte! Viva o conhecimento! Viva o mundo! ;)

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    1. É isto mesmo o que eu acho, Juju! Você mais que ninguém sabe dos meus sonhos de criação de uma linguagem que ultrapassse as froteiras das linhas estéticas de dança e dialogue com a pluralidade da expressão do ser humano integralmente.
      O ser humano integral.
      Mas quis falar do nosso universo particular belly dance, porque ele em si já é tão diverso e tanta gente nem percebe, cristalizadas em suas verdades.
      beijos!
      Saudades!

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  2. Compartilho dessa angústia por buscar algo que desconheço em mim, e quando o percebo, logo me apronto em explorar e questionar este que é sempre um novo corpo mas que tb é velho conhecido. Nessa tensão, mergulho naquilo a que me afeiço-o e se instaura tão dentro de mim, que passo a dar qualidades e defeitos a partir do que me identifico, acho que neste ponto teu texto se coloca muito bem, não é preciso que nos identifiquemos com tudo, afinal é por isso que cada um é um, sendo em si vários! rsrss Beijão

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  3. Oi, Nadja,

    Chegar a esse tipo de texto exige tempo e maturidade. Maturidade pois é quase impossível passar pelas experiências com a dança (no meu caso, só tenho experiência com a DV) e não ter diversas fases como egocentrismo e excesso de crítica. Tempo porque só ele vai mostrar, com suas vivências, que a diversidade é tudo nesse vida e com isso, respeito é fundamental.

    Mesmo "madura" e "experiente", ainda assim é difícil atingir a tão sonhada identidade artística (bom, esse é o meu sonho como bailarina e professora) pois não só exige tempo e experiência, mas muito estudo, troca, cabeça aberta, pouco preconceito e arriscaria dizer, um pouco de inteligência, pois instinto e intuição tem limite.

    Logo, atingir conscientemente essa identidade é um trabalho muito complexo e que ninguém é capaz de te ensinar!

    Enfim, gostei do texto!
    Beijos

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    1. Sim, Hanna! É muito verdade isto aí que você falou!
      Mas o que é a vida, se não o caminho do auto conhecimento?
      É preciso maturidade e esta significa também aceitar-se, permitir-se errar. Superar o medo. Saber estar dando o seu melhor.
      A magia da vida refletida no momento efêmero da dança.
      Por mais maquiagem que se use, nunca estaremos tão expostas em nossa mais profunda intimidade quanto no palco.

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